sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Da Má Gestão à Privatização





A poucos dias da avaliação da troika, eis que surgiu do nada o velho tema da privatização da RTP. É um daqueles temas que a direita ressuscita de tempos a tempos, com certeza por contas más resolvidas no passado. Mas é no debate que em seu torno se gera que maiores vicissitudes conseguem ser encontradas. Neste sentido, como acaba por acontecer de cada vez que se discute a privatização de uma determinada empresa pública, lado a lado com o argumento do fardo que a mesma representa para o erário público, surgem sempre inúmeros exemplos de má gestão.

Ora se falam nas regalias despropositadas dos trabalhadores da dita empresa, ora das mordomias dos seus administradores, ora dos contratos e compromissos ruinosos em que a mesma se encontra envolvida. Ou seja, rapidamente se tenta passar para a opinião pública que a privatização é a melhor forma de por termo ao regabofe que tomou conta da empresa em questão. Com a privatização, os contribuintes ver-se-ão assim livres de contribuir para uma montanha de privilégios e más práticas que ultrajam qualquer português honesto. E embora sendo relativamente evidente a demagogia barata que envolve este tipo de mensagem, acaba por não ser fácil conter as percepções que daí decorrem na opinião pública.

Rapidamente se esquece que as forças políticas que agora acusam tais empresas de má gestão são as mesmas que (adivinhem!?) geriram estas mesmas empresas nos últimos anos. Ou seja, um dos mais batidos paradoxos democráticos continua à vista de todos: o mesmo centrão que defende que o Estado gasta mal, que desperdiça o dinheiro de todos e que é um fardo para a economia é o mesmo centrão que governa esse mesmo Estado.

Mas é nestes momentos em que a demagogia sobre o aparelho público atinge o seu apogeu que a esquerda também tem de ser capaz de reconhecer que pode e deve ser muito mais exigente nestes domínios Na sua ânsia de salvaguardar o setor público das críticas de má gestão que normalmente antecedem a sua diminuição ou privatização, a esquerda acaba por não denunciar como devia as más práticas que por todo o lado sucedem. Consegue mesmo, com esta sua atitude, a terrível proeza de beneficiar as administrações e os governantes que trouxeram o setor público ao estado que todos conhecemos.

A esquerda tem de ser a primeira a apontar as mordomias dos administradores, os contratos ruinosos, os maus investimentos e até algumas regalias desmesuradas dos trabalhadores. Não só porque lhe é moralmente exigido, mas também porque apenas assim conseguirá ter a sua posição fortalecida nestes momentos de ataque cerrado ao setor público.

Artigo hoje publicado no Esquerda.net

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Igualdade, mas pouco




Numa das suas crónicas publicadas na última página neste jornal, Estevão Gago da Câmara apresenta-nos no passado sábado um conjunto de ideias que vale a pena esmiuçar. Começa por associar a organização da marcha LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e Transgénero) em Ponta Delgada à crise interna e consequente procura de protagonismo por parte do Bloco de Esquerda. Avança depois que “não há homossexual inteligente, sensato e de bom gosto que não se indigne com os espetáculos de exibicionismo e de mau gosto” que constituem as marchas LGBT um pouco por todo o mundo. Sustenta de seguida que todos, independentemente da sua orientação sexual, se devem indignar contra estes “carnavais fora do tempo”, uma vez que os mesmos acabam por ser eles mesmos uma fonte de discriminação.

No que à primeira teoria diz respeito, julgo que nem vale a pena tentar perceber de onde Estevão Gago da Câmara a tirou. Se o diz, é porque é com certeza a mais pura das verdades. Desengane-se portanto quem possa ter chegado a achar que tal iniciativa surge de cidadãos interessados em defender a igualdade de direitos e de apoiar a liberdade de orientação sexual na região. Nada disso. Tudo isto é obra daqueles oportunistas do Bloco do Esquerda.

Mas é sobre o suposto exibicionismo e mau gosto das marchas LGBT que mais gostaria de me pronunciar. Acho sempre interessantes e curiosos os conselhos que uma certa direita política emite sobre qualquer tipo de iniciativa LGBT. Em vez de dizer sem rodeios que não gosta das mesmas porque têm sobretudo reservas de fundo quanto à igualdade e liberdade no que à orientação sexual diz respeito, prefere sim considerar estas iniciativas contraproducentes devido ao exibicionismo a elas associado. No caso de Estevão Gago da Câmara, chega ao ponto de adivinhar o que um “homossexual inteligente, sensato e de bom gosto” pode achar sobre este tipo de acontecimentos. Comentários para quê?

O problema deste tipo de argumentário é que as suas inconsistências saltam à vista. Basta lembrar que, há pouco tempo atrás, considerava-se (e muitos ainda consideram) que a defesa do direito de igualdade no acesso ao casamento mais não era do que uma procura desenfreada de protagonismo por parte da comunidade LGBT. Há uns anos atrás, num antigamente não tão longínquo quanto isso, era também comum considerar-se que todos os que não escondiam a 100% a sua homossexualidade mais não eram do que exibicionistas desequilibrados. And so on.

A acusação de exibicionismo vinda da direita conservadora é, provavelmente, um dos pseudo-argumentos mais antigos contra a igualdade, seja na orientação sexual, cultural, étnica, de género, entre outras. As mulheres que antigamente começaram a usar calças e mini-saias também eram acusadas de exibicionistas, certo? Ultrapassada pelas circunstâncias, a referida direita até acaba por ceder e defender a igualdade, mas tudo devidamente enquadrado pelo “respeitinho”. Ou seja, já não é contra a igualdade, apenas defende que a mesma seja assumida mantendo intocável a normalidade e a paz social existente. O importante é que tal igualdade não se faça notar muito.

O pequeno problema de tal posicionamento é que não consegue descolar da asneira de pensar que existem cidadãos mais iguais do que outros, que têm mais direito a assumir e manifestar o que são do que outros. Um pequeno problema que coloca em causa a cultura democrática da tal direita conservadora, sempre tão preocupada em nos proteger dos exibicionismos que por aí andam. A Pride Azores é um pequeno grande passo para uma região mais aberta, tolerante e com espaço para todos. A iniciativa ainda não se realizou, mas todos aqueles que a estão a construir estão desde já de parabéns.

Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental

terça-feira, 14 de agosto de 2012

O que quer dizer com "Criar Oportunidades"?!





Lembro-me bem de Passos Coelho ter dito que os Portugueses deviam ver o desemprego como uma oportunidade. E também lembro-me bem da quantidade de tinta que tal disparate fez correr. Mas pelos vistos a candidata do PSD Açores às regionais anda um bocadinho distraída... O que quererá Berta Cabral dizer com "Criar Oportunidades para todas as ilhas", hein?

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Vivózaçores!


Em terras açorianas até 1 de Setembro. Até lá, procurarei ir postando, mas com uma regularidade digna de férias e com a profundidade de quem está a banhos. Aos milhares de milhões que aqui passam, agradeço desde já a vossa compreensão.
(Imagem: Gambuzinhos)

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Congresso Democrático das Alternativas


Encontra-se já disponível o novo site do Congresso Democrático das Alternativas (www.congressoalternativas.org). Para além de concentrar informação diversa sobre a iniciativa que ocorrerá na Aula Magna, Lisboa, a 5 de Outubro, a nova plataforma disponibiliza mecanismos diversos de apoio à iniciativa. Possibilita a subscrição da convocatória do Congresso. Possui também secções para a recolha de contributos para os diversos debates temáticos em curso, que estarão na origem da declaração a ser aprovada no dia do Congresso.

Como não podia deixar de ser, a iniciativa encontra-se presente nas redes sociais: Facebook e Twitter. Toda a ajuda de divulgação é bem-vinda, existindo no site uma secção onde materiais diversos encontram-se disponíveis para apoiar a difusão da iniciativa. Por outro lado, tendo em conta que se trata de uma iniciativa de cidadãos, mas que acarretará naturais custos de organização, a Comissão Organizadora entendeu por bem lançar um  apelo aos donativos de cidadãos que apoiem o esforço financeiros em causa.

Agradeço desde já aos que aqui passam que subscrevam a convocatória, submetam no site do Congresso os seus contributos temáticos, participem no próprio dia no evento e, claro, divulguem, divulguem, divulguem.




terça-feira, 7 de agosto de 2012

O nosso Messias, o nosso Salvador



“Se tiver de perder as eleições para salvar o país, que se lixem as eleições. O que interessa é Portugal”. Esta frase do primeiro-ministro foi já alvo de uma ampla discussão explorada em prismas diversos. Pessoalmente, parece-me particularmente interessante a expressão “salvar o país”, por considerar que a mesma corresponde a uma parte central de todo o racional político da atual equipa governamental. No fundo, o Executivo considera que o país precisa de ser salvo. E como muito bem sublinhou Ricardo Araújo Pereira numa crónica recente, mesmo que o país não queira ser salvo e mesmo que comece a estar profundamente em desacordo com o modelo de salvamento proposto, os portugueses não se livrarão facilmente deste Primeiro-Ministro salvador. Como uma vez disse Medeiros Ferreira a propósito de outra personalidade pública, tudo parece indicar que Passos Coelho tem uma imagem messiânica de si próprio. 

É natural que um político assuma que possui um papel especial a desempenhar perante a causa pública, por mais lato que este termo possa parecer. É algo inerente a quem segue uma carreira política. Ou seja, o simples facto de um individuo se candidatar a um cargo político, de se envolver politicamente, de se mover e de lutar por algo em que acredita implica que considere que pode fazer a diferença, que possui uma espécie de missão a desempenhar. Nada de extraordinário, portanto. O problema sucede quando o ator político assume, contra tudo e contra todos, que possui um papel único a desempenhar. No fundo, considera-se o grande escolhido (pelo povo, por Deus, pela História…) para levar a cabo uma missão. E nada o vai demover deste seu caminho, nem mesmo aqueles que o escolheram para o efeito. Existem inúmeros traços na imagem pública que Passos Coelho construiu de si próprio que ajudam a alimentar o perfil messiânico que atrás sublinhámos. A obstinação com que persegue os seus objetivos, aliada a uma aparente simplicidade na forma de ser é possivelmente uma das suas características mais vincadas publicamente. 

Curiosamente, é também no aparente desapego aos bens materiais que a imagem messiânica de Passos Coelho ganha particular vigor. A figura do homem simples de Trás-os-Montes vivendo atualmente em Massamá e que procura manter sempre os mesmos hábitos modestos e discretos tem sido uma das suas imagens de marca. Sócrates fazia com os filhos safaris no Quénia e férias na neve da Suíça. Passos, por seu turno, vai para uma casa alugada na Manta Rota, desce a pé para a praia de sempre e faz até questão de ir para férias na sua carrinha Renault Clio, uma espécie de reencarnação do famoso Citroen BX de Cavaco Silva. O messias tem de ser um homem de hábitos simples, aparentemente semelhante ao comum dos mortais, mas de uma profundidade espiritual só ao alcance de um ente divino.

Como é evidente, Passos tem naturalmente direito de gerir a sua imagem pública como entender e a comunicação social fará também o que quiser com este tipo de perfil. De qualquer modo, não deixa de ser particularmente indesejável na política esta espécie de ego-messianismo. Primeiro porque um messias dificilmente pode ser chamado à razão. Ele é a própria razão. Por outro lado, porque a sua aparente simplicidade facilmente não alcança a complexidade do meio que o rodeia. Por exemplo, a receita do homem simples até pode ter colocado o mundo em chamas, mas ele acreditará sempre que tal acontece porque a receita não foi aplicada com a intensidade devida ou que o mundo não tem procurado ajustar-se à sua receita. Coisas de homem simples, portanto.

Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

E as eleições nos Açores, hein?



No meio da crise, do clima de pré-férias, regularmente interrompido pelos esqueletos tirados do armário de Miguel Relvas, as eleições regionais açorianas de Outubro têm passado praticamente despercebidas da agenda nacional. Na imprensa nacional as notícias são mais do que poucas e as próprias máquinas partidárias tem deixado transparecer pouca preocupação com o que se passará lá no meio do Atlântico. Claro que nos Açores não existe um Alberto João capaz de fazer manchetes diárias. Mas, se calhar, um bocadinho mais de atenção ao cenário do arquipélago não fazia mal a ninguém.

Depois de 16 anos de governação do PS, a não recandidatura de Carlos César abre espaço à mudança no cenário político regional. Esta será naturalmente menor se o PS sair vencedor, dando lugar a pelo menos a uma mudança de rosto na presidência do Governo Regional. Por sua vez, a mudança será maior se o PSD sair vencedor destas eleições, abrindo lugar a um novo ciclo político na região. Apesar de serem mais do que conhecidos os efeitos perversos de um governação que dura há 16 anos, é evidentemente preferível que a direita política não regresse ao poder na região.

De qualquer modo, esta natural preferência de que a direita não vença as eleições regionais não pode determinar qualquer tipo de contentamento com uma nova vitória do PS na região. Dada a forma como Carlos César passou o testemunho a Vasco Cordeiro, o atual candidato socialista, os dados estão lançados para que se verifique uma perpetuação quase perfeita do poder socialista no arquipélago. O consenso do partido em torno da candidatura de Vasco Cordeiro demonstra aliás que a máquina regional do PS não tem vontade de grandes mudanças. Ou seja, a região corre o risco de se manter entregue ao mesmo aparelho político, encharcado com todos os vícios que 16 anos de poder determinam.

É neste contexto que a afirmação do Bloco na região assume um papel determinante. Na ausência de qualquer tipo de entendimento político que pudesse resgatar os socialistas da pura continuidade, o Bloco tem a importante responsabilidade de ganhar o descontentamento de uma série de setores da população. Nomeadamente, a jovem classe média urbana açoriana que, longe de ver na candidata do PSD Berta Cabral uma alternativa, também se sente pouco satisfeita com uma pura mudança de rosto na liderança socialista. Por outro lado, uma vez que a maioria absoluta pode fugir aos socialistas, e perante um CDS sempre pronto a assumir um papel de charneira, o Bloco pode naturalmente ser confrontado com a necessidade de assegurar algum tipo de entendimento à esquerda.

As eleições regionais açorianas de Outubro não serão um desafio fácil para o Bloco. E estranho seria se assim o fossem. De qualquer modo, Zuraida Soares já demonstrou inúmeras que não se contenta com desafios fáceis, lutando incansavelmente por uma política de esquerda infelizmente muito pouco experienciada pelos açorianos nestes quase 40 anos de democracia.

Artigo hoje publicado no Esquerda.net