terça-feira, 31 de maio de 2011

Esquerda de Confiança

Chegámos aquele momento da campanha em que podemos começar a deixar subentendido em quem vamos votar ou então optamos por assumir tal intenção de voto sem parcimónias. Normalmente opto sempre pela primeira abordagem. No entanto, parece-me razoável que quem acompanha regularmente esta rubrica sobre a actualidade política tenha, pelo menos nesta última semana de campanha eleitoral, uma clara percepção sobre em quem votarei e as razões de tal orientação de voto. Assim sendo, partilharei aqui porque votarei Bloco de Esquerda nas próximas eleições.

Escusado será dizer que o meu voto nunca recairia num partido de direita por não ser esse o meu perfil ideológico. Também não recairia no PCP porque, apesar de manifesta simpatia, infelizmente parece-me que continua a ter alguns calcanhares de Aquiles mal resolvidos. Dedicarei portanto algumas linhas a explicar em maior detalhe, porque não votaria PS. Começaria por dizer que, apesar de terem existido uma mão cheia de políticas meritórias nestes últimos seis anos, existiu pelo menos outra mão cheia de políticas lesivas para o que eu entendo ser o interesse do país. Importa não esquecer que este foi o governo das novas oportunidades, mas foi também o governo do encerramento de escolas com menos de 10 alunos; foi o governo do inglês no primeiro ciclo, mas foi também o governo que mais desconsiderou a classe dos professores; foi o governo do aumento da licença de maternidade, mas foi também o governo dos cortes nos subsídios de desemprego; foi o governo/partido da legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas foi também o governo/partido que um ano antes a recusou; foi o governo da taxação das mais-valias em bolsa, mas foi também o governo dos aumentos do IVA, do IRC reduzido para os bancos e da manutenção do off shore da Madeira.

E se a linha política do governo é algo que me afasta do actual PS, é também o perfil e falta de consistência ideológica do seu secretário-geral que menos confiança me inspira. Para além deste ser o Sócrates com estranhos círculos de amizades (Ruis Pedros Soares, Armandos Varas, entre outros), este foi também o Sócrates com inúmeros processos movidos contra jornalistas sob o argumento da campanha negra e das forças ocultas. E, sobretudo, foi o Sócrates que, tal como já aqui escrevi, conseguiu ser quase tudo e o seu contrário nestes últimos anos. Quem nele votar nas próximas eleições, vota no Sócrates defensor do investimento público ou no Sócrates apologista do aperto do cinto? No Sócrates dos aumentos nos salários da Função Pública ou no Sócrates dos cortes em tais salários? No Sócrates que afirmou que não governaria com o FMI ou no Sócrates que diz ser a pessoa indicada para aplicar o programa do FMI?

Em suma, respeitando naturalmente outros valores que determinem a orientação de voto, julgo que votar deve ser um gesto de confiança. Assim sendo, e considerando-me um eleitor de tipicamente de esquerda, opto por uma esquerda de confiança. Uma esquerda que sabemos que hoje não dirá uma coisa e amanhã outra. Uma esquerda que, contrariamente aos lugares comuns que costumam passar, não se cansa de apresentar propostas, que não relativiza, que não se resigna perante o mundo onde se insere. Que não tem dúvidas que a economia deve estar ao serviço das pessoas e que não se cansa de defender um aprofundamento da qualidade da democracia. Voto Bloco porque sei que não terei surpresas desagradáveis vindas do partido a quem confiarei o meu voto.

Terminada esta espécie de tempo de antena, resta-me apelar a que ninguém fique em casa a 5 de Junho. Vote-se em A, B ou C, mas vote-se.

Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Agarrar os Flutuantes




Como as sucessivas sondagens têm vindo a demonstrar (e a fomentar), o voto útil é um dos fenómenos que com maior clareza se consegue antecipar sobre as legistivas que aí vêm. Tal justifica-se em parte pela disputa renhida ao centro que se faz sentir entre PS e PSD. No entanto, é curioso verificar que as sondagens apenas reflectem tal tendência à esquerda, com o Bloco e o PCP a diminuirem os seus resultados relativamente à última eleição. Pelo contrário, à direita é o expressivo resultado previsto para o CDS que marca as diversas sondagens. Estranhas dinâmicas estas, não?

Não parecem existir razões muito claras que ajudem a perceber a ausência de voto útil à direita, sobretudo tendo em conta que o PS há várias semanas recuperou a distância que tinha relativamente ao PSD. A proeminência e o perfil de forte comunicador de Paulo Portas em contraponto ao ainda algo novato Passos Coelho apresenta-se como uma das poucas possíveis explicações. Mas se o cenário é difícil de perceber à direita, à esquerda a complexidade não se afigura menor. Após 6 anos de governação em que o o primeiro-ministro acumulou um desgaste mais do que significativo, após as mais severas medidas de austeridade de que há memória e a constante mudança de posicionamentos políticos, o que cativa no PS estes cerca de 6% a 7% de eleitorado que há dois anos votou Bloco e PCP?

O temor de um governo composto pela direita economicamente mais liberal de que há memória é uma das naturais explicações. A não concordância com o contributo do Bloco e PCP para a queda do actual Governo está igualmente longe de poder ser descartada. Por último, importa também ter em conta a hipótese do eleitorado que suportou a subida do Bloco e do PCP nas últimas eleições apostar agora, numa altura de tremenda pressão para o voto útil, em regressar ao PS.

Esta última hipótese, aliada ao facto das sondagens apontarem um número muito significativo de indecisos, consegue criar um cenário explicativo relativamente sólido sobre o que se está a passar à esquerda. Assim sendo, para além de se tentar convencer os indecisos com poucos vínculos ideológicos, é sobretudo da conquista deste eleitorado que flutua entre o centro-esquerda e a esquerda que pode depender a repetição dos bons resultados obtidos pelo Bloco e pelo PCP há dois anos atrás. Da mesma maneira que a vitória nas eleições disputa-se tipicamente ao centro, a vitória no panorama à esquerda ou à direita disputa-se (não exclusiva mas fortemente) nas fronteiras entre o eleitorado moderado e o eleitorado radical. No caso do Bloco, uma vez que possui um eleitorado mais volátil que o PCP, tal ideia ganha particular consistência.

Ganhar o referido eleitorado flutuante não se afigura fácil num contexto de forte pressão para o voto útil. E não vou naturalmente armar-me em spin doctor ou marketeer de sofá e tentar elencar o que pode convencer tal eleitorado (até porque tal seria matéria para diversos artigos). Mas retomo uma ideia ontem deixada por Pedro Magalhães no i: terão sido apenas as ideias económicas do Bloco que lhe terão valido a confiança de 10% do eleitorado há dois anos atrás?

Artigo hoje publicado no Esquerda.net

(Imagem: Brother Soft)

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Quem disse que se ganham eleições clarificando, hein?

A defesa de uma reavaliação da lei do aborto e de um possível novo referendo catapultou Passos Coelho para o canto da direita liberal em termos económicos mas também conservadora nos costumes. Quando nem Paulo Portas se atreveu a tocar neste assunto, Passos teve a brilhante ideia de ir buscar votos ao CDS abordando o tema quente da IVG...

Mais uma vez, Passos persiste no mesmo erro. Quanto mais tenta clarificar o seu posicionamento, mais tiros no pés vai dando. Sócrates agradece.

Isso é calote! Calote!

Paul Krugman, esse nobel de economia que é também conhecido por ser um perigoso esquerdista radical, escreveu no New York Times que a Grécia, Irlanda e Portugal não conseguirão pagar a divida, devendo a Europa preparar-se para uma reestruturação da mesma. Que horror, que disparate... Com certeza o prémio nóbel não anda atento ao que o nosso especialista José Sócrates considera a este respeito: «Reestruturar uma dívida significa pagar um preço em miséria, desemprego e falências e, pior que isso, significa pôr em causa o projecto europeu e a moeda única única». Está visto que Krugman é um lunático, só pode...
(Imagem: Danny Almeida)

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Quem disse que o voto é um gesto ponderado e racional, hein?

Todos concordamos que Paulo Portas é um mestre da política. Alguém com sete vidas que tem sobrevivido batalha após batalha devido a uma capacidade de comunicação impressionante. Por isso, mesmo é também consensual que Portas já conseguiu ser tudo e o seu contrário neste seu já longo currículo. É sabido e toda a gente já conhece este seu perfil há vários anos. Se assim é, como é possível continuar a convencer tanta gente?


(Imagem: Cantigueiro)

terça-feira, 24 de maio de 2011

We want Catroga, we want Catroga!

A sondagem de hoje vem reforçar o alento do PSD que, depois de ter lançado ontem o caso das nomeações, lançou há pouco o caso dos 200 milhões de défice oculto. A máquina de comunicação laranja começa a dar sinais de finalmente estar a funcionar. Ou aparecem novas gafes, ou então começa a ser complicado inverter este tipo de dinâmica.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

O Regresso dos Barões?



O reinado de Passos Coelho no PSD tem sido marcado pelo isolamento da sua direcção relativamente aos barões do partido. E o fraco desempenho nas sondagens também pode ser imputado a este isolamento. Sendo o PSD um partido com correntes muito diversas, o prazo de validade do líder depende do consenso que consegue gerar internamente. Curiosamente, fruto ou não do debate de sexta-feira, é possível que o referido cenário de isolamento esteja a mudar.

Santana Lopes já veio dizer que está mais optimista e Morais Sarmento juntou-se hoje à campanha. Não vi ontem o comentário de Marcelo nem consigo adivinhar o de Marques Mendes durante esta semana, mas não é necessário ser grande astrologo para perceber que andarão por estes dias mais simpáticos com o jovem líder. Conseguindo reunir as elites internas, rentabilizando o seu apoio e evitando os tropeções como os que nos habituou, é possível que o sol recomece a brilhar para os bandos da Lapa.

Morais Sarmento não resistiu ao ovo Kinder


Morais Sarmento junta-se hoje a Passos Coelho na campanha por terras de Santarém. Curiosamente, o mesmo Morais Sarmento que se destacou pelas mais duras críticas ao actual líder. Vale a pena recordar apenas esta notícia da RTP de Novembro do ano passado: "Morais Sarmento compara Passos Coelho a um Ovo Kinder - Numa entrevista ao Jornal de Notícias, o antigo ministro diz que o actual líder do PSD, não tem provas dadas que permitam saber se vai ser um bom primeiro-ministro. Sarmento vai mais longe ao dizer que Passos Coelho, não tem provas dadas e não reúne as condições pessoais e políticas para as funções a que se candidata."

domingo, 22 de maio de 2011

Sintomático

Não deixa de ser curioso (vulgo lamentável) verificar que Passos Coelho saiu-se bem no debate com Sócrates precisamente porque conseguiu pela primeira vez fugir bem à discussão do seu programa.
(Imagem: PSD)

Não há duas (asneiras) sem três

Há coisas que nos deixam quase sem palavras. No post anterior, presumimos (de boa fé) que a colocação do programa do PS por Gabriela Canavilhas no blogue do Ministério da Cultura se tratara de uma gafe. Mas qual é a nossa surpresa ao verificar que Ministra veio colocar de lado tal hipótese, fazendo um post de esclarecimento em que sublinha que o seu Ministério não é apartidário e que não cultiva hipócrisias.

Bem... Pelos vistos, essa coisa da separação entre o partido e o Governo, entre os meios do partido e os meios públicos é uma hipocrisia para a Ministra da Cultura. Assim sendo, apenas ficamos sem perceber porque não opta por colocar em todos os sites do Ministério da Cultura banners de apelo ao voto no PS. Acabava-se de vez com as hipocrisias, não?

Mas como se tudo isto já não bastasse, verifico agora que os dois posts – o do programa eleitoral e o das acusações de hipócrisia – foram apagados do blogue Ministério da Cultura (!?!) Mas alguém ainda acha que, nos dias que correm, essa é uma boa forma de colocar um ponto final num assunto? Enfim... É caso para dizer que não há duas (asneiras) sem três.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

A Ministra, o Post e as Camisolas

Nestes momentos de campanha, é sempre engraçado ver como quem exerce o poder vai alternando entre a camisola de governante e a camisola de candidato. A título ilustrativo, durante o dia o governante preside a umas inaugurações e à noite o candidato desdobra-se em (outras) acções de campanha. Normalmente disfarça-se mal esta mudança de papéis, mas procura-se sempre disfarçar nem que seja um pouco.

Este caso da Ministra da Cultura que colocou no blogue do ministério o programa eleitoral do PS varia entre o grave e o ridículo. Tenha sincera curiosidade em saber o que passou pela cabeça de quem fez o post (a ministra ou um seu assessor). E não consigo deixar de partilhar uma piadinha fácil a este respeito: se calhar são tantas as vezes que mudam de camisola durante o dia que se esqueceram qual delas tinham vestida quando fizeram o post...

Coelho-Palhaçada



No meio das comemorações portistas, não ganhou o devido relevo a coelho-palhaçada no debate dos partidos sem assento parlamentar. Coelho é o exemplo claro que Alberto João até na oposição consegue fazer escola. Uma vergonha nunca vista o que ontem se passou...

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Gafes úteis

A gafe de Merkel serviu pelo menos para três coisas:
.
1) colocar a circular informação que demonstra que os Portugueses não são os preguiçosos recheados de regalias que tanto se fala;
2) demonstrar que se alguém tivesse a ideia de reduzir para metade todos os direitos dos trabalhadores portugueses, existiria patronato em Portugal a aplaudir tal medida;
3) comprovar (mais uma vez) que a Europa continuará mal enquanto for liderada por um chefe de Estado ou de Governo de um país que, naturalmente, age focado apenas no interesse do seu eleitorado.
(Imagem: Foruns Naruto)

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Os camaleões, não gosto, pá

Para não variar, o Tiago Tibúrcio responde de forma inteligente a este meu artigo, fazendo um exercício provocatório sobre as motivações do meu voto. Devo dizer-te, Tiago, antes de mais, que julgo ter pouco jeito e feitio para defender a “minha dama” (não confundir com a minha senhora, sff). No entanto acho que, nestas eleições mais do que em muitas outras, estranho o facto de acusarem a “minha dama” de não apresentar propostas. Tem-no feito ao ritmo de uma por dia. Infelizmente tenho encontrado pouco debate com vista a rebatê-las individualmente. Pelo contrário, a forma encontrada para as contrariar tem sido colocá-las no saco da demagogia, do lirismo e do radicalismo. Nada de novo, portanto.

Por outro lado, acho infrutífero entrarmos aqui no ping pong do “tu foste a muleta da direita” versus “tu agiste como a direita”. Deixa-me portanto recentrar a nossa discussão no que julgo ser o cerne da questão que coloco no meu artigo.

Existem, como sabemos, as mais diversas explicações para o comportamento eleitoral dos cidadãos. Pessoalmente tenho particular dificuldade em perceber o voto em candidatos com grande inconsistência ideológica. Precisamente pelos efeitos camaleónicos que tal inconsistência implica no comportamento de tais candidatos. Tomemos o exemplo de José Sócrates. Quem nele votar nas próximas eleições, vota no Sócrates defensor do investimento público ou no Sócrates apologista do aperto do cinto? No Sócrates dos aumentos nos salários da Função Pública ou no Sócrates dos cortes em tais salários? No Sócrates que afirmou que a redução dos benefícios fiscais seria um ataque à classe média ou no Sócrates que considera que tal redução é uma questão de justiça fiscal? No Sócrates que afirmou que não governaria com o FMI ou no Sócrates que diz ser a pessoa indicada para aplicar o programa do FMI?

Existe muito eleitorado de esquerda que votará em Sócrates por uma série de políticas deste governo, mas sobretudo para evitar o governo mais à direita que até hoje tivemos oportunidade de conhecer. O típico voto útil, no fundo. Mas, em última análise, o que garante a este eleitorado que Sócrates cumpre o que hoje promete com toda a convicção? O que lhe garante que o Sócrates de hoje é o Sócrates de amanhã? Tiago, a “minha dama” tem uma série de defeitos, mas (não querendo ser panfletário) quem nela vota costuma saber ao que vai. A consistência ideológica, a meu ver, não é um preciosismo.

PS: As picardias com o Tiago são sempre bem-vindas, precisamente pelo relevo e sensibilidade das questões colocadas.

terça-feira, 17 de maio de 2011

A eventual dor de cabeça

Sócrates antecipou ontem um dos cenários que mais dores de cabeça pode provocar no pós-5 de Junho: e se o PS ganhar por um curta margem e o PSD e o CDS se apresentarem juntos prontos para governar? Como é natural tendo em conta os cenários em causa, o actual primeiro-ministro defendeu que deverá ser o partido mais votado a formar governo.

Mas se é certo que, num acto eleitoral, a obtenção do primeiro lugar nas votações é o mais determinante de todos os factos, nos sistemas de raiz parlamentar importa sim que o governo seja suportado por uma maioria. Assim sendo, caso exista uma alternativa maioritária mais abrangente do que o partido mais votado, nada impede que o Presidente da República convide tal alternativa a formar governo. Será sempre uma solução com fragilidades, mas pode ser encarada (e vendida) pelo o Chefe de Estado como um mal menor.

O Triunfo dos Animais Políticos

É certo que o mundo das sondagens por vezes parece um pouco alheado do mundo real. De qualquer modo, os diversos números das últimas semanas têm identificado algumas tendências difíceis de ignorar. Por um lado, uma clara recuperação do PS. Em prejuízo do PSD, do Bloco e do PCP, o Governo que assumiu o mais austero pacote de medidas das últimas décadas pode estar em vias de ser reconduzido. Por outro lado, e depois de se prever que desapareceria devido à ascenção laranja, o CDS de Portas parece caminhar imparável para um resultado histórico, com o PSD a oferecer-lhe de bandeja uma série de votos.

Estas tendências, estão a ocorrer sobretudo devido a um desempenho comunicacional brilhante de José Sócrates e Paulo Portas. Os líderes do PS e CDS quase não têm cometido erros na sua comunicação política. Este seu elevado desempenho, esta sua capacidade de dar a volta às situações, de renascerem das cinzas, de possuirem 7 vidas, tem merecido a admiração e aplauso de diversos sectores. São considerados “animais políticos” e admirados como tal. Se calhar vale a pena esmiuçar um pouco melhor os traços políticos de José Sócrates e Paulo Portas.

No que ao primeiro-ministro diz respeito, não haja dúvidas que é um sobrevivente político como nunca se viu na democracia portuguesa. Depois de lhe terem sido passadas ínúmeras certidões de óbito político, Sócrates surpreende e dá a volta. Ora temos um Sócrates defensor do investimento público, ora temos um apologista do aperto do cinto; ora temos um defensor do papel do Estado na economia, ora temos um apologista das privatizações; ora temos um defensor do Estado Social, ora temos um responsável por inúmeros cortes nas prestações sociais; ora temos o primeiro-ministro que não governava com o FMI, ora temos um primeiro-ministro que anunciou um “bom acordo” com o FMI. Alguns apelidam-no de persistente, outros simplesmente de sobrevivente. De qualquer modo, parece certo que José Sócrates ganhou já um lugar no pódio dos políticos marcantes da democracia portuguesa.

E se consideramos Sócrates um comunicador impar e um sobrevivente impressionante, o que dizer de Paulo Portas? Neste aspecto, o currículo do líder do CDS é no mínimo invejável. Já trouxe grandes vitórias ao seu partido, mas também alguns dissabores. Já o levou ao governo, mas também já teve de conviver com sondagens que diziam que o partido desapareceria. Pelo meio, Portas ora defende menos Estado, ora defende apoios aos agricultores; ora critica o Estado social, ora defende pensões para os mais idosos; ora coloca a boina da lavoura, ora confessa-se fã de sushi, de cinema e de Corte Maltese.

Para além de serem grandes comunicadores e de possuirem um instinto de sobrevivência impressionante, Sócrates e Portas têm em comum a facilidade com que alteram de perfil, como se adaptam às situações e meios que os envolvem, como mudam de discurso e de prioridades. È o conjunto destas habilidades impares que lhes confere o estatuto de animais políticos.

Mas se estas características até podem ser aplaudidas pelos apreciadores do marketing e da comunicação política, estranho é quando são encaradas como qualidades pelo eleitorado. Fará sentido depositar o voto em alguém com uma incrível capacidade de mudar de perfil, de discurso, com uma habilidade grande para se adaptar, para dar a volta e até ludibriar aqueles que o rodeiam? O voto assumido em animais políticos é, a meu ver, um dos fenómenos mais intrigantes do estudo dos comportamentos eleitorais. Se calhar chegámos a uma variante do mitico slogan político brasileiro: “aldraba, mas faz!”

Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
(Imagem: Riskici)

segunda-feira, 16 de maio de 2011

A aposta arriscada

Passos Coelho está com uma estratégia frontalmente arriscada. O facto de defender "reformas" ainda mais profundas do que o acordo da troika reflecte isso mesmo. É certo que o eleitorado português já mostrou inúmeras vezes gostar de figuras austeras, defensoras de um Portugal poupadinho, de cinto bem apertado. Mas o liberal Passos Coelho continua longe de encaixar nesse perfil. O seu destino pode mudar, mas até agora tem estado a pagar caro por tal aposta.
(Imagem: Flickr PSD).

domingo, 15 de maio de 2011

A época de ouro dos blogues chegou ao fim?

Já há algum tempo que se nota que a blogosfera nacional se encontra algo estagnada. Não surgem grandes novidades e, pelo que vou falando com conhecidos destas lides, é notória a diminuição do número de visitas em benefício das redes sociais. No que à blogosfera política diz respeito, não deixa de ser sintomático que, em tempos de campanha eleitoral, ainda não tenham surgido (que eu saiba) grandes blogues colectivos de apoio a candidaturas.
(Imagem: Seu sucesso)

ATTAC à Crise

quinta-feira, 12 de maio de 2011

É "chato"...


Um fait diver indiscutível, mas com um efeito brutal, acabou de tomar de assalto a campanha. Vamos ter toda a agente no café, nos transportes públicos, no local de trabalho a falar de pêlo púbico. Vamos ter piadas e trocadilhos com esta questão para todos os gostos. Quanto a Catroga, se calhar o melhor era não aparecer até 6 de Junho. É "chato", mas julgo que não há volta a dar.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Vai uma aposta?

Vejo uma série de comentadores a concordar que, no debate de há pouco, Louçã só esteve menos bem (vulgo Sócrates esteve menos mal) na parte em que se discutiu a reestruturação da dívida. O primeiro-ministro desenhou rapidamente um cenário apocalíptico caso Portugal assumisse tal posição. Vai uma aposta como em menos de 6 meses teremos o PS, com ou sem Sócrates, no governo ou na oposição, a defender tal posição?
(Imagem: SIC Notícias)

domingo, 8 de maio de 2011

O Embaraço




Tem sido interessante acompanhar como uma série de personalidades com um pensamento assumidamente liberal qualificam as medidas do acordo com a troika. Lobo Xavier, na última edição da Quadratura do Círculo, não poupou elogios às "reformas" que aí vêm. Ao menos foi sincero...

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Os Excêntricos





Hoje aderi à greve. Julgo que nem vale a pena enumerar as razões. Mas é curioso ver como, em inúmeros sectores da administração pública, sobretudo nos mais rejuvesnecidos e qualificados (que não na educação e na saúde), aderir a uma greve é uma excentricidade. Uma espécie de atitude retro, que até se acha piada, mas na "casa dos outros". Dá que pensar, não?

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Sobre o Animalismo Político



É consensual nos diversos quadrantes que a forma como José Sócrates gere a comunicação política ficará para a história do spin doctorismo em Portugal. Mas ontem deu-se mais um passo neste sentido. Com mais ou menos descaramento, melhor ou menor disfarçado, o primeiro-ministro conseguiu colocar em circulação a mensagem de que afinal o mundo não vai acabar graças à forma patriótica como o Executivo defendeu os interesses nacionais. Notável...

Reforço a mensagem que já aqui escrevi anteriormente. Sócrates é um animal político como nunca se viu em Portugal. Mas é estranho ver tanta gente a aplaudir tal característica como se de uma qualidade se tratasse. É que os animais politicos distinguem-se nomeadamente pela sua capacidade de dar a volta/ludibriar (vulgo enganar) o meio que o rodeia. O eleitorado apreciar religiosamente tal característica num líder político acaba por ser, no mínimo, paradoxal.

(Imagem: Lanzas)

terça-feira, 3 de maio de 2011

E a democracia, pá?



Têm sido naturalmente muitas as questões que se têm levantado a propósito da vinda da troika. Vêm cá para ajudar a recuperação económica ou apenas para garantir que pagamos aos credores? E qual o grau de sucesso deste tipo de intervenção? No entanto, para lá destas questões naturalmente importantes, está a passar relativamente incólume o facto de estar a ser exigido a um país a poucas semanas de eleições um compromisso definitivo sobre as políticas que adoptará como contrapartida ao empréstimo. Rejeita-se assim ao novo governo a capacidade de governar o país, de tomar opções e de definir rumos políticos. Ou seja, age-se como se umas eleições legislativas fossem um pormenor ou uma formalidade institucional. E se tivermos em conta que a troika não é constituída apenas pelos mauzões do FMI e do BCE, mas também por representantes da Comissão Europeia, percebe-se um pouco melhor a gravidade desta situação.

A bem dizer, Passos Coelho e Cavaco Silva chamaram desde logo a atenção para esta situação. Sugeriram um empréstimo intercalar antes das eleições que permitiria uma nova negociação após as mesmas. No entanto, tal hipótese foi considerada ridícula pela vasta maioria dos seus opositores, presumindo que o Presidente e o líder do PSD apenas reclamaram tal solução a pensar no interesse que tal cenário teria para o partido laranja. Ou seja, pensado tratar-se de uma simples tentativa de desresponsabilização do PSD, contribui-se para branquear um cenário que constitui practicamente um atropelo democrático.

O episódio dos programas eleitorais dos dois principais partidos, que fez correr alguma tinta durante a última semana, demonstra bem a situação paradoxal em que se caiu. Por um lado, temos um programa eleitoral do PS que, segundo muitos, é pouco mais de uma reedição do programa apresentado em 2009 (altura em que se garantia que a economia nacional estava a entrar em retoma e que o investimento público era a chave da solução). Apresenta-se portanto um programa que parece ignorar o acordo em que o PS está envolvido. Do outro lado, temos a praticamente a um mês das eleições, o maior partido da oposição ainda sem programa. E se por um lado o argumento de estar a aguardar o plano de resgate a Portugal até faz algum sentido, é difícil justificar que se é a principal alternativa ao actual governo sem se ter ainda um programa que o demonstre com clareza.

Existem, portanto, paradoxos para todos os gostos reflectindo uma situação de grave perda de soberania política do país como um todo. Questão esta agravada por uma perversão evidente deste tipo de intervenção externa, que é aliás um dos traços que a melhor distingue do conceito de ajuda: é que os países que “beneficiam” deste tipo de intervenção não são livres de encontrar os mecanismos adequados para cumprir os seus compromissos. Pelo contrário, os credores exigem uma série de medidas internas que, a pretexto de serem uma salvaguarda para que a situação não se repita, já demonstraram inúmeras vezes adoecer ainda mais o doente.

Chegamos assim a um ponto em que os Portugueses irão às urnas e os três partidos do arco da governação apresentam alternativas políticas limitadíssimas. É certo que a fraca distinção político-ideológica das forças do centro político em Portugal é algo academicamente demonstrado. Mas desta vez tal fenómeno é literalmente imposto, por um conjunto de entidades externas, a poucas semanas de um acto eleitoral. Um atropelo democrático cuja gravidade simbólica e real parece estar a incomodar pouco a intelligentsia nacional.


Artigo publicado hoje no Açoriano Oriental

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Abater ou julgar?

É curioso como nas reacções à morte de Bin Laden, ninguém mencione sequer o facto de ser lamentável que não tenha existido a possibilidade de o julgar. Destaco este facto não só por ser um direito humano, mas sobretudo porque é dificil acreditar que qualquer justiça seja feita com um "simples" tiro na cabeça de um terrorista como Bin Laden. O mesmo se passou com Saddam Hussein que, após ser capturado, foi rapidamente enforcado.

O raciocício de quem toma estes tipo de decisões (abater ou levar a julgamento) é simples: esta última hipótese é desgastante e até perigosa pelo que pode vir a revelar ou despoletar. Perante tal equação, a ordem é quase sempre para se proceder ao abate. E pelos vistos, com maiores ou menores instintos western, a vasta maioria da opinião não se incomoda ou sequer questiona esta opção.

domingo, 1 de maio de 2011

E convergência sindical, hein?

Bem sei que pode ser um pouco lírico para muitos, mas será que num momento como o actual não seria de esperar maiores demonstrações de convergência por parte das duas centrais sindicais? Comemorações conjuntas do 1º de Maio, por exemplo, é uma utopia?

O país dos livros


A Feira do Livro deixa-me sempre embasbacado com o quanto se consegue publicar em Portugal. Num país com os conhecidos problemas na estrutura de qualificações, mesmo assim edita-se anualmente um número impressionante de livros. Até podem ser edições com tiragens mínimas, mas a vitalidade do nosso mercado livreiro mostra bem que nem tudo vai (assim tão) mal neste rectângulo à beira mar plantado.