sexta-feira, 30 de março de 2012

O Pau e a Cenoura que não Existe


Sacrificar-nos hoje para que os amanhãs que aí vêm sejam melhores é a cenoura que há muito é apresentada aos portugueses. A austeridade é a penitência que curará o país dos seus grandes males. E é este objetivo que se pretende que mobilize toda a sociedade nos dias que correm: sacrifícios hoje para amanhã podermos voltar a desfrutar. Uma boa narrativa, portanto.

O problema é que as narrativas são naturalmente ficcionadas e, neste caso em concreto, a terminologia “ficção” é particularmente bem empregue. Pensar que problemas estruturais podem ser resolvidos a juzante, com cortes nos rendimentos, nas prestações sociais, endurecendo a legislação laboral e fazendo recuar as funções sociais do Estado, é uma forma particularmente “pouco focada” de atuar. Sobretudo quando a solução aplicada não só não está a resolver o problema, como está sobretudo a aprofundá-lo. E mantendo-se a desregulação do sistema financeiro internacional, nada garante que os seus instáveis e desastrosos efeitos não voltam atacar. Ou seja, a luz ao fundo do túnel que há tanto tempo vem sendo proclamada na verdade não existe. Utilizando outros termos, a cenoura não existe.

Curiosamente, para contrabalançar esta evidência, é cada vez mais claro que o pau não só existe, mas também que a sua utilização exige agora cada vez menos parcimónias. As cargas policiais no Chiado vieram reforçar o que já se vinha notando em manifestações anteriores. O uso da força pelas autoridades policiais pode e vai ser usado para manter as coisas na linha.

O posicionamento do presente governo é simples: quem não é mobilizável pelo conto da luz ao fundo do túnel, está profundamente equivocado. Ou seja, quem não é mobilizável pela cenoura, o pau está sempre lá para dissipar ceticismos.

Artigo publicado hoje no
Esquerda.net

quinta-feira, 29 de março de 2012

Basismo vs Elite Urbana

As tensões continuam dentro do PS entre os sectores mais próximos do actual líder e os sectores mais fieis a Sócrates. Curiosamente, não parece ser tanto uma divisão tipicamente ideológica que os separa, uma vez que não é fácil discernir se a linha de Seguro é mais à esquerda ou mais à direita do que a linha Sócrates. A tensão parece sim existir entre, por um lado, uma linha mais basista protagonizada por Seguro, que reflete um trabalho de anos na recolha de apoios nas distritais e concelhias do partido de norte a sul do país. Por oposição, a linha Sócrates tem a sua sustentação em elites urbanas, reforçadas por grupos sólidos de independentes, que não parecem querer que o seu legado seja agora mal-tratado no seio do partido.
(Imagem: © Alfredo Cunha/Global Imagens)

segunda-feira, 26 de março de 2012

Verdades La Cavaquice


Infelizmente, este tipo mensagens redondas do Presidente da República são o pão nosso de cada dia. Será que existe alguém que não quer saber tudo o que se passou no Chiado? Todos queremos saber tudo e gostamos sempre de saber tudo. No Chiado ou no BPN, queremos sempre toda a verdade.
(Imagem: Bancada Directa)

domingo, 25 de março de 2012

Sobre a Dependência Financeira da Política

A profissionalização da política merece obviamente todo o respeito. Ao serviço direto do partido ou num cargo público por nomeação política, a profissionalização da política é uma conquista da república e da democracia. De outro modo, a política apenas seria acessível a quem tivesse rendimentos suficientes para se poder dedicar à política sem qualquer necessidade de remuneração.

De qualquer modo, a dependência financeira também cria constrangimentos a uma verdadeira liberdade de pensamento e atuação política. Se dependo financeiramente de um partido, dificilmente entrarei em posições de crítica aberta à sua atuação. Tenderei a ser muito mais ponderado, arriscarei muito menos. Sob pena de ser "despedido"

E se num partido pequeno, a dependência financeira já se faz sentir em alguns quadros, nos grandes partidos do poder, a situação assume outras proporções. Ao olhar para o congresso do PSD, quantos delegados não dependerão financeiramente do partido? Quantos delegados não são deputados, presidentes de câmara, vereadores ou mesmo presidentes da junta? Quantos não são membros da direcão de um instituto ou empresa pública, membros de um gabinete de um ministro ou de um secretário de Estado?

Claro que há pensamento político livre apesar da dependência financeira. Mas não haja dúvida que a liberdade interna nos partidos é maior quando a dependência financeira não é tão acentuada entre os seus membros.

sábado, 24 de março de 2012

Parcimónias (e a falta delas)




Apesar de tudo, acho que a cor política continua a diferenciar a forma como um governo reage a incidentes como o excesso de força policial. Um governo de centro-esquerda, mesmo que mais de centro do que de esquerda, reage com alguma parcimónia. Até pode não ir há muito em conversas de manifestantes, mas algo continua a obrigá-lo a respeitar um pouco este tipo de situações.

Por seu turno, um governo de centro-direita preocupa-se pouco com este tipo de questões, sobretudo num momento como o actual. A polícia infiltra-se nas manifestações e incita à violência? Temos pena. A polícia agride jornalistas? Temos pena. Está visto que estes são tempo de paulada e cacetada. Preparem-se.

quinta-feira, 22 de março de 2012

A festa das Privatizações


Privatizar tornou-se um verbo bastante vulgar na agenda dos Governos Portugueses das últimas décadas. Todos, independentemente da sua cor política, avançaram com o seu leque de privatizações. Poder-se-á dizer que tal apenas revela que existiam demasiados sectores económicos nas mãos do Estado. Poder-se-á também contra-argumentar que tal sempre foi uma forma simples de arrecadar uns trocos no final do ano para contrabalançar défices crescentes. È uma discussão interessante, mas não é de facto na mesma que nos centraremos neste texto. Concentrar-nos-emos sim nas polémicas que normalmente envolvem estes processos.

As privatizações surgem sempre legitimadas por um discurso de redução de encargos para o Estado. Argumenta-se então que a gestão privada é mais eficiente que a pública, surgindo assim a privatização como solução para libertar os contribuintes de um honorário superfluo, ao mesmo tempo que dinamiza a economia com mais um actor livre das garras do Estado. O problema é que, como o caso português demonstra, acaba por não ser bem assim que as coisas acontecem. Por um lado, dificilmente se diminuem encargos para os contribuintes quando se privatizam empresas que dão lucro. Por outro lado, naquelas em que tal não acontece, a manutenção de contratos com o Estado para a prestação de serviço público acaba por ser tão ou mais honorosa do que o que acontecia anteriormente. Acrescente-se ainda o caso da privatização de empresas monopolistas, em que se acaba assim por colocar em mãos privadas uma mais valia anteriomente do domínio público.

O presente caso da EDP veio mais uma vez confirmar os efeitos perniciosos de inúmeros processos de privatização. Considerou-se de menor importância o valor estratégico que a referida empresa possui para o Estado Português. E pouco importou que grandes países europeus continuem a ter as suas empresas públicas de electricidade. Nós, Portugueses, não precisamos cá dessas coisas. Tudo acabou portanto com a entrega da EDP a uma empresa detida em 100% pelo Estado Chinês. Comentários para quê... Importa igualmente não esquecer que se privatizou uma empresa supostamente com óptima saúde. Ou seja, o argumento dos encargos para os contribuintes não se aplica. Privatizou-se também uma empresa praticamente monopolista. Não existem portanto efeitos positivos a curto prazo na dinamização do mercado da electricidade em Portugal. Pelo contráro, o que antes era um monopólio público, passou a ser agora um monopólio privado.

E quando se tentou reduzir o valor dos fantásticos contratos que ligam a empresa ao Estado, tudo acabou com a saída do Governo do Secretário de Estado da Energia. Nem pensar em fazer tal coisa uma vez que nos contratos firmados com o “parceiro” chinês, lá constava que as rendas com o Estado Português (vulgo, com os contribuintes Portugueses) deviam permanecer inalteradas. Um negócio da China, portanto. E para que tudo se torne ainda mais engraçado, importa não esquecer que o recém-nomeado chairman da referida empresa, com um salário astronómico, foi um dos grandes mentores do programa económico do Governo. Eis um bom exemplo do universo das privatizações em Portugal.

Podíamos aqui esmiuçar também a privatização do BPN para reforçar este ponto de vista, Mas mais do que preocupar-se com o que se passou ou está a passar, consegue ser ainda mais preocupante o que aí vem. Dos CTT à RTP, da ANA à TAP, esta promete ser uma legislatura bastante animada nestes domínios. Sim, preparemo-nos porque a festa só agora está a começar.

Artigo publicado terça-feira no Açoriano Oriental

sexta-feira, 16 de março de 2012

Os Fantasmas Alemães

Considerar que a falta de solidariedade alemã é a única e grande responsável pela crise em que a Europa continua mergulhada é excessivo. Contrariamente à perceção que nos é passada pela comunicação social, a Europa não se resume à Alemanha, à França e aos PIGS. Existem os restantes 20 países europeus de quem pouco se ouve falar. Se calhar a sua mudez não reflete menos a falta de solidariedade europeia do que os posicionamentos de Merkel. De qualquer modo, pelo papel preponderante enquanto maior economia europeia, e pela perda de quaisquer complexos ou pruridos em assumir um papel liderante do todo comunitário, não há como ignorar as grandes responsabilidades alemãs.

E quando esmiuçamos o porquê de tal falta de solidariedade de Merkel, surge-nos sempre a história do fantasma da inflação que supostamente atormenta o eleitorado alemão. As recordações dos anos 20, a imagem de um carrinho cheio de notas para comprar um pão, são então apresentadas como grandes explicações do atual comportamento germânico. Reduzir ao mínimo as ajudas aos países em dificuldades, focar-se apenas no equilíbrio das contas públicas, eis a receita que tem sido seguida por Merkel para afugentar o referido fantasma.

Mas o mais curioso de todo este universo fantasmagórico alemão em torno da inflação é que um outro fantasma germânico desapareceu por completo nestes últimos anos: o fantasma da II Guerra Mundial. Um fantasma que, importa não esquecer, permitiu acalmar os ânimos alemães na segunda metade do século XX e que, por sinal, garantiu o empenhamento alemão numa Europa unida, solidária, convencida dos benefícios de um desenvolvimento harmonioso dos seus Estados-membros. Um fantasma muito útil, portanto.

Em poucos anos, Merkel conseguiu que a Alemanha voltasse a ser alvo de fortes animosidades um pouco por toda a Europa. Perguntem a um grego, a um português, e um espanhol ou a um italiano o que hoje acham dos alemães. Os sentimentos anti-germânicos atingem agora níveis como há muitas décadas não se via. Merkel conseguiu afastar o fantasma da II Guerra da mente do seu eleitorado. O problema é que este fantasma passou agora a andar à solta, atormentando o consciente e inconsciente de cada vez mais europeus. Escusado será sublinhar a gravidade deste cenário.

Artigo hoje publicado no
Esquerda.net
(Imagem: Bens Blog)

quinta-feira, 15 de março de 2012

Holanda, gerações de avanço


Curta estadia em em Roterdão em trabalho. Apesar de já não vir à Holanda há 14 anos, continuo com a sensação de se tratar de uma espécie de país superior. O seu povo consegue aliar a rectidão nórdica com um sangue quente (tipo latino). Têm portanto o melhor de dois mundos.

Estão gerações à nossa frente, em desenvolvimento mas sobretudo em mentalidade. Dois exemplos totalmente diversos, mas que mostram bem esta questão:

1) Aqui as bicicletas são de facto um meio de transporte. Usam-na não como hobby, não para fazer exercício, mas como um meio de transporte perfeitamente convencional. Usam-na jovens e mais velhos, gordos e magros, engravatados e chungas. Vejo literalmente mais bicicletas no centro de Roterdão do que carros.

2) Em termos de valores político-morais estão tão avançados que até acontecem fenómenos curiosos no cenário político holandês. Recordo-me sempre do caso de Pim Fortuyn, líder populista de direita e homossexual assumido (assassinado em 2002) que queria fechar as fronteiras do país aos muçulmanos por, entre outras coisas, estes ameaçarem o liberalismo moral holandês. É muito à frente...

Fonte: Harnhem)

terça-feira, 13 de março de 2012

Mais um problema de Passos: não sabe separar as águas


"Ex-colega de Passos Coelho na Águas de Portugal. Paulo Caetano estava ligado à área das energias renováveis na Fomentinvest, onde trabalhava o primeiro-ministro." (in Expresso)
(Imagem: Aventar)

segunda-feira, 12 de março de 2012

A Aventura Americana


Duas semanas depois, terminaram as férias em terras americanas e canadianas. Foram 3400 km percorridos de estrada. E que valeram bastante a pena. O que há a dizer sobre estas férias? Pois... O problema é precisamente resumi-las porque cada dia era um novo dia. Deixo apenas algumas notas por cidade.

Chicago
  • É uma cidade simplesmente fantástica. Junta bem a dimensão dos arranha céus com os bons parques urbanos;
  • Nova Iorque é uma grande cidade do mundo. Chicago é uma grande cidade americana;
  • Da arquitectura à arte pública, Chicago respira de facto cultura. Neste sentido, destaco o Art Institute of Chicago, a Cloud Gate, a Pritzker Pavilion e a Crown Fontain, todos localizados no Millenium Park.
  • O Magnificent Mile (forma como é correntemente conhecida a Michigan Avenue), artéria comercial da cidade acaba por proporcionar também um passeio agradável.
Detroit
  • Fizémos uma curtíssima passagem de uma noite. Não nos pareceu de facto ser uma cidade que marca pelo seu explendor. Mas sim, qualquer cidade merece ser visitada.
Toronto
  • A capital económica do Canadá surpreendeu por não corresponder de facto à imagem verdinha e organizada que por vezes se tem das terras canadianas;
  • A forte imigração asiática dá-lhe uma grande aura multicultural;
  • O traçado urbano divide-se entre grandes arranha-céus e uma aquitectura constituida por casas e jardins mal abandonamos o centro da cidade;
  • A CN Tower é um marco na cidade que deve ser visitado
Boston
  • Imperdível. O traçado urbano é formidável, com construção antiga e onde se vê bem o esforço de manutenção da traça histórica. Não admira porque lhe chamam a mais europeia das cidades americanas;
  • Nota-se bem nas ruas o peso da população universitária da cidade;
  • A influência de grandes universidades de referência vê-se que determina a vida empresarial e cultural da cidade.

Providence
  • A capital de Rhode Island, o menos popuoso estado americano, é definitivamente pitoresca;
  • A traça antiga, o espaço público cuidado, os jardins no meio da cidade, as casas com jardim em frente tornam a cidade de facto acolhedora e simpática.
  • O forte peso de Universidades como a Brown faz-se sentir positivamente na cidade, com a forte população universitária, uma vida cultural desenvolvida, etc.

Nova Iorque
  • Não sendo a primeira vez na Big Apple, o que há a dizer sobre Nova Iorque? Tudo soaria a cliché. Mas sim, continua a ser "a cidade".
Uma última nota geral sobre as férias: apesar de parecer violento à primeira vista, para quem tem crianças, vale sempre a pena trazê-las. Para além de lhes abrir horizontes, mostrar coisas novas, experiências novas, etc, elas disfrutarão o alto astral dos pais nestes momentos, o que é por si só uma grande mais-valia.