O caso “corta Relvas” está a permanecer na agenda mais tempo do que inicialmente se podia imaginar. O que poderia ter sido um telefonema quase rotineiro para uma redação, “convidando simpaticamente” à não publicação de uma notícia, transformou-se num dos casos que maior desgaste provoca ao atual Governo. O braço direito do primeiro-ministro não está a conseguir livrar-se da acusação de pressão que sobre ele recai. E, dia após dia, surgem novos dados
Sendo de elogiar a atitude do jornal Público, que demonstra assim não se intimidar com este tipo de pressões, alguns jornalistas mais experientes têm sublinhado que a pressão política sobre a comunicação social nem é a pior. Porque, face a pressões políticas, a comunidade jornalistica de âmbito nacional consegue hoje ativar com alguma facilidade uma espécie de pacto de mútua defesa, dissuadindo a maioria dos responsáveis políticos de enveredarem por estes caminhos. Mas contra a pressão económica, a capacidade de resistência da comunicação social afirma-se bastante mais limitada. Estando um órgão de comunicação social dependente de receitas publicitárias, estará assim tão interessado em publicar algo que desagrade ou ponha em causa os seus grandes patrocinadores? É muito pouco provável que tal aconteça.
Para quem deseje debruçar-se sobre pressões políticas ou económicas sobre a comunicação social, a imprensa regional e local acaba por fornecer importantes estudos de caso. Operando em meios mais pequenos, o jornalista encontra-se muito mais exposto às dependências políticas e económicas de uma série de atores. Porque será que a imprensa regional e local consegue ser tão descritiva, sendo muito pouco usual o surgimento de casos, escândalos ou denúncias de maior? Não é com certeza a falta de meios ou uma eventual capacidade crítica limitada que explica em absoluto esta tão forte tendência. Explica-se sim, em grande parte, pela capacidade limitada de um jornalista ou diretor de jornal local em denunciar más práticas da sua câmara municipal ou de uma grande empresa local, uma vez que tal poderá valer-lhe um corte profundo nas fontes das notícias, assim como comprometer seriamente as receitas em publicidade provenientes dos referidos atores locais.
A este propósito, tome-se como exemplo a realidade açoriana. Como é sabido, existe nos Açores um número muito significativo de títulos de imprensa regional e local. Entre jornais e rádios, o arquipélago apresenta uma variedade de órgãos de comunicação social deveras invejável. Mas com excepção de algum jornalismo mais arrojado, impulsionado sobretudo por uma nova geração de profissionais da área, a capacidade de controlo democrático da comunicação social em terras açorianas está muito aquém das suas possibilidades. Não por existir qualquer particularidade em terras açorianas que assim o justifique, mas porque em meios mais pequenos, as dependências e as pressões fazem-se sentir-se com maior intensidade.
O ideal seria que a podridão que se suspeita existir no caso Relvas servisse para se tirarem de facto algumas ilações sobre o relacionamento entre a política, a economia e a comunicação social. No entanto, a experiência diz-nos que a presente indignação tem a sua base sobretudo na classe jornalística e nos círculos de opinião mais informados ou empenhados politicamente. Porque para o dito cidadão comum, a pressão é algo chato, mas é um dado adquirido da sociedade portuguesa, mesmo em pleno século XXI. Por isso se um ministro pressiona ou deixa de pressionar... Ele é um político, ele é um ministro, estavam à espera do quê?
Artigo publicado ontem no Açoriano Oriental
(Imagem: Spacetec)