O distanciamento entre os atores políticos e a sociedade é um tema recorrente. O argumento de que estes conhecem pouco o mundo real, o dia-a-dia das pessoas, as suas verdadeiras preocupações, dificuldades e esperanças é um dos temas mais batidos da democracia e arredores. E é com certeza na figura dos governantes que mais este problema parece fazer-se sentir. Aos ministros, por exemplo, parece fazer-lhes falta um banho de realidade que refresque as suas ideias sobre os diversos dossiers sob a sua tutela. Do alto dos seus gabinetes ministeriais, através dos vidros escurecidos do seu carro com motorista ou rodeados por bajuladores emplastrantes nas inaugurações, dificilmente um ministro tem um real contato com a realidade que governa. Conhece-a através dos relatórios que lhe são mostrados, recheados de análises swots, balance scorecards e outros que tais. Posto isto, será assim tão demagógico exigir-se que um governante conheça “ao vivo” o objeto das suas decisões?
Vamos a um exemplo. Recentemente, tendo o contexto de austeridade como pano de fundo, sérios cortes foram feitos nos transportes públicos em Lisboa. Os passes aumentaram, carreiras de autocarros foram extintas e até os metros passaram a ser menos frequentes e começaram a andar com menos carruagens. Se o Álvaro andasse de transportes públicos, o que não deveria ser uma excentricidade para um governante que tutela a pasta dos transportes, rapidamente perceberia que a decisão da empresa por si tutelada tornou a vida dos seus utilizadores num inferno. O metro passou a andar constantemente sobrelotado, as pessoas empurram-se para conseguir entrar nas carruagens em hora de ponta e em determinada hora do dia possui a regularidade de um autocarro (o que não é normal para um meio de transporte que prossupõe uma frequência elevada).
Vamos agora ao caso da Saúde. Confesso que tenho curiosidade em saber se o Ministro Paulo Macedo é utilizador regular do Serviço Nacional de Saúde. Gostava de saber se é ao SNS que recorre quando se sente menos bem ou quando um dos seus adoece. Alguma vez foi às urgências do Hospital de S. José ou aos Capuchos em Lisboa? Alguma vez levou um filho (ou um neto) ao D. Estefânia? Ou se, pelo contrário, recorre ao aglomerado de hospitais privados que nos últimos anos proliferaram na capital.
E o ministro Nuno Crato, será que os seus filhos frequentam ou frequentaram escolas públicas? Ou, como acontece aliás com a vasta maioria da classe média-alta alfacinha, optou por escolas privadas, deixando o ensino público apenas para quem não pode pagar uma escola privada. Por outro lado, será que conhece na pele ou através de alguém que lhe seja próximo o drama que pode ser o fecho de uma escola numa pequena aldeia e a transferência das respetivas crianças para uma escola a 20km na sede de concelho? Para completar o ramalhete dos ministros com pastas sociais, gostaria de saber se o Ministro Mota Soares conhece de perto a realidade do rendimento social de inserção. Ou seja, se para além dos inúmeros relatórios que possivelmente leu e do discurso que os seus companheiros de partido têm sobre o RSI, será que Mota Soares conhece ao vivo e a cores a realidade que governa?
E uma série de outros exemplos podiam ser aqui apresentados. Tenho grande curiosidade em saber se os responsáveis últimos de determinados serviços públicos os usam ou não. Não por achar que a sua linha de atuação se deva a uma espécie de ignorância tonta sobre os temas em questão. Mas por achar que um banho de realidade poderia ter um efeito purificador e desinfetante nas suas mentes brilhantes.
Artigo publicado no passada terça-feira no Açoriano Oriental