terça-feira, 29 de abril de 2014

Esquerda Inteligente

Boa entrevista de Marisa Matias no Jornal i. Inteligência, seriedade e verticalidade no tratamento de meandros europeus muito longe de serem simples.

E você, tem sido um bom democrata?

A chegada às quatro décadas de existência implica sempre alguma maturidade. Com maior ou menor jovialidade, com maior ou menor irreverência, não se chega aos 40 anos como se nada fosse. E o mesmo se passa com certeza com a democracia Portuguesa. Não haja dúvidas que se atingiu já uma marca de longevidade importante, que representa por si só um feito e uma conquista. Mas mais importante do que se ficar pelas comemoração pura e simples da referida data, importa sobretudo conseguir fazer algum balanço a pretexto da mesma, e, sobretudo, definir para onde queremos ir.

No que ao balanço diz respeito, é difícil não desembocar naquela que é a perspectiva mais ou menos consensual entre os diversos atores. Do ponto de vista sobretudo formal, Portugal apresenta uma democracia consolidada. Com alguns problemas sérios, é certo, mas que consegue cumprir com algum à vontade os mínimos do funcionamento institucional de um regime democrático. Não haja grandes dúvidas a este respeito. Tal deve deixar-nos satisfeitos? Evidentemente que não. Questões como o mau funcionamento da Justiça, as desigualdades sociais ou a corrupção minam as estruturas democráticas e devem com certeza tirar-nos o sono. Por outro lado, quem disse que o bom funcionamento da democracia política é um motivo de descanso? A busca constante de uma democracia económica, social e cultural significa nomeadamente que não nos contentamos com uma democracia minimalista. Em suma, queremos a democracia toda.

Quando fazemos este balanço sobre o que está a correr menos bem e o que poderia correr melhor, não haja dúvidas que as baterias devem ser apontadas a quem direito. E, neste aspeto, não há como desculpabilizar os diversos responsáveis políticos que exerceram o poder neste últimos quarenta anos. Independentemente da sua  cor política, o exercício do poder confere-lhes responsabilidades que não se podem imiscuir.

No entanto, estes quarenta anos também poderão levar o cidadão a questionar-se sobre o que tem feito pela democracia. Ou seja, num patamar diferente de responsabilidade, importa também que cada um de nós se sinta responsável pelo estado a que isto chegou. Importa que, para além da devida imputação de responsabilidades a quem de direito, haja também esta capacidade de cada cidadão se questionar sobre o que tem feito pela democracia

E neste domínio do envolvimento e participação dos cidadãos, não haja dúvidas que a democracia Portuguesa continua a ter muito por onde crescer. Por razões institucionalistas, mas também culturais, a participação cívica (e política, em particular) continua a ser fraca em Portugal. Semelhante ao que sucede com os restantes países do sul da Europa. Há tipicamente uma maior dificuldade dos cidadãos sentirem a coisa pública como sua, como algo sobre o qual também são responsáveis. Algo que podem e devem intervir, seja na partido político, no movimento de defesa do consumidor, na associação de pais ou de moradores. A democracia faz-se com este tipo de intervenções, com este tipo tipo de envolvimento.

É típico responsabilizar-se  os partidos do poder ou a classe politica por todos os males do funcionamento do regime democrático. Mas não é difícil perceber que a classe politica só tem a importância que tem porque é-lhe dada uma quase exclusividade na gestão do domínio público. Trocado por miúdos: se os cidadãos não participam, os políticos gerem a coisa pública à sua vontade, sem grandes constrangimentos, sem a util e saudável prestação de contas aos seus cidadãos. Nestes 40 anos do 25 de Abril, nestes 40 anos de Liberdade, é também tempo dos cidadãos se questionarem sobre o que realmente têm feito pela sua democracia.

Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Birra ou Incompetência, Dr. Costa?

Foi finalmente divulgado o relatório sobre as obras públicas em Lisboa e o seu mau funcionamento que António Costa há dois anos e meio se recusava divulgar. Numa atitude de falta de transparência que roça o inacreditável, o Presidente da CML foi até ao Tribunal Constitucional para evitar que o relatório viesse a pública. Perdeu todas as acções, como seria de esperar.

Ver notícia do Público aqui: 

http://www.publico.pt/local/noticia/relatorio-mantido-secreto-durante-tres-anos-levou-a-camara-de-lisboa-a-tomar-medidas-1633543

Na Assembleia Municipal, o Bloco teve diversas iniciativas para que o relatório fosse libertado e que o Executivo se explicasse. Recebeu sempre o silêncio como resposta. Há três semanas atrás, finalmente a iniciativa do Bloco foi aprovada na Assembleia Municipal, apenas com os votos contra do PS (uma atitude lamentável dos socialistas). Tive o prazer de apresentar a referida iniciativa no plenário.

O relatório vem apontar problemas graves, mas nada que não fosse já expetável: empreitadas feitas com excessivo recurso a ajustes diretos, empreiteiros instalados que conseguem ganhar grande partes das obras e urgências políticas que tipicamente convidam aos atropelos na contratação pública. Enfim, a triste realidade que todos estamos já fartos de saber.

Mas, no meio desta história, continua por explicar o que levou António Costa a ir até ao Tribunal Constitucional para evitar a divulgação do documento. Porquê esta tão gritante falta de transparência num processo cujo desfecho estava condenado à partida? António Costa deve vir a público explicar o que o motivou. Birra ou incompetência, Sr. Presidente?

sábado, 26 de abril de 2014

E você, sente-se livre?

40 anos depois, será que somos livres? Será que a liberdade continua a brilhar? Eis o tipo de pergunta que mais tem surgido em espaços diversos de discussão. E a resposta  frequente é que o espírito de Abril tem sido bastante mal tratado nos últimos anos. Direitos suprimidos, Estado Social reduzido e desvirtuado e, novidade das novidades, Abril vai sendo aos poucos remetido para os anais da história. Mas nestes 40 anos de liberdade, mais do que analisar de que forma os diversos Governos têm tratado do legado de Abril, prefiro centrar-me na forma como as pessoas, os cidadãos, têm cuidado do que foi conquistado há 40 anos.

Do ponto de vista formal e estritamente político, não existem grandes dúvidas quanto à maturidade da democracia Portuguesa. Se tivermos em conta uma perspectiva minimalista sobre o funcionamento das instituições, a democracia Portuguesa não está aparentemente em risco. Temos problemas críticos como o funcionamento da Justiça, a corrupção ou as desigualdades sociais, mas não se adivinha um colapso do sistema político ao virar da esquina.

Mas quando recordamos como foi conquistada a democracia em Portugal, quando temos em conta os valores e aspirações que deram forma ao 25 de Abril, dificilmente ficamos contentes com uma simples democracia política. Queremos mais do que isso. Muito mais, aliás. Queremos uma democracia económica, social e cultural, queremos uma democracia em todas as suas vertentes . Uma democracia ambiciosa e que não se fique pelos mínimos. Uma democracia que não desista dos valores que a tornaram realidade.

E se depende dos Governos e das restantes instituições políticas a construção da referida democracia, não deve ser menosprezado o papel que cada cidadão deve ter igualmente na sua consolidação. Porque mais do que um direito adquirido, a liberdade conquista-se todos os dias. Conquista -se quando não nos conformamos, quando não nos submetemos, quando não abdicamos do nosso sentido de justiça e da nossa permanente vontade de mudança e de progresso. Ninguém disse que a liberdade era algo simples, que não exigia escolhas, que não exigia esforço e dedicação de cada um de nós.

A liberdade exerce-se, mesmo quando está longe de ser o caminho mais fácil. Exerce-se em casa, no trabalho, na escola ou na comunidade. Exerce-se mesmo quando é pouco inconveniente, mesmo quando implica chocar de frente com a normalidade, com a convenção ou tradição. Exerce-se mesmo quando por vezes temos a sensação de que nos vai sair cara, de que nos vai arranjar alguns problemas em qualquer um dos meios em que estamos inseridos. Muito mais fácil seria ficarmos calados de vez em quando, fingir que não vimos ou não nos apercebemos de determinada injustiça, de determinado atropelo . Contornar é sempre mais fácil. Mas quem nos disse que o certo é algo simples e fácil?

Nestes 40 anos do 25 de Abril, o maior favor que fazemos à democracia é questionarmo-nos diariamente sobre se nos sentimos livres . Porque Abril exerce-se todos os dias.

Artigo hoje publicado no Esquerda.net

sábado, 19 de abril de 2014

Vou ali e já venho



Mapa do GPS carregado, reservas feitas e família pronta. 15 dias de férias para carregar as baterias da alma. Adivinho que este blog andará sossegado nas próximas semanas... Ou pelo menos bastante menos focado na atualidade nacional. As minhas desculpas aos milhões e milhões que por aqui passam diariamente.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

O Milagre ao Contrário

A proximidade de eleições consegue sempre colorir de forma súbita o discurso político. De um momento para o outro, como agora se vê da esquerda à direita, todos concordam que o país precisa de investimento para colocar a sua economia a funcionar. Mesmo os seus mais acérrimos defensores começam a concordar que já chega de austeridade. É bonito. E a discussão sobre o salário mínimo nacional é sintomática a este respeito. A direita política que tanto temeu o aumento dos custos de produção, que tanto insistiu para que o cinto se mantivesse apertado, apresenta-se agora generosa, pronta a dar mais 15 euros por mês às centenas de milhares que auferem o mais baixo dos rendimentos.

E tudo isto sucede num ambiente em que, de repente, parece que o país está a dar a volta. Que se calem os mais céticos do esforço empreendido pelos Portugueses nos últimos anos. Porque o país está de facto a recuperar, com o défice abaixo do estimado e as taxas de juro no mercado a demonstrarem que afinal até somos “consumíveis”. E, cereja em cima do bolo, a Fitch passou a tendência do rating Português para positiva. Ou seja, continuamos a ser “lixo”, mas com agora com perspetivas positivas. O que faz toda a diferença.

Quando questionados sobre se valeu a pena, os defensores do caminho seguido apresentam os resultados acima como a demonstração de que tinham razão. Era mesmo necessário bater no fundo para podermos renascer das cinzas. Um novo Portugal surgiria então, mais sólido e forte, pronto a melhor encarar o futuro. Embora seja evidente a vontade que todos temos de ver a luz ao fundo do túnel e considerarmos que o pior já passou, tal não responde efetivamente à pergunta sobre se “valeu a pena”. Ora vejamos: até podemos estar a renascer das cinzas, mas tal não justifica que tenha valido a pena a nossa redução a um monte de cinzas, correto?

E um olhar minimamente mais objetivo do que se passou leva-nos de facto a concluir que houve um milagre. Não haja dúvida a este respeito. Mas foi um milagre ao contrário. O país não conseguiu efetivamente dar a volta por cima quando já poucos acreditavam. Não foi bem esse o milagre que sucedeu. Conseguiu-se sim, apesar de todos os sacrifícios, de toda a austeridade, de todos os cintos apertados que conhecemos, não resolver qualquer problema estrutural que era suposto resolver-se. Esse sim é o verdadeiro milagre. Este sim é um feito verdadeiramente extraordinário.

Apesar dos impressionantes cortes nos direitos, apesar do empobrecimento evidente, apesar do desemprego histórico e da emigração catastrófica, apesar de to país ter comigo o pão que o diabo amassou, nada foi efetivamente resolvido ou estruturalmente alterado. O cumprimento do défice foi atingido sobretudo através de expedientes extraordinários e não através das famosas gorduras que tanto era citadas. Não houve qualquer reconversão de fundo do nosso setor económico, a nossa economia não está mais forte, a nossa Administração Pública não está mais saudável. Portanto, conseguiu-se o impressionante milagre de fazer sacrifícios duríssimos para que muito pouco ou nada acontecesse. 

Em última instância, nada nos leva a crer que estamos mais saúdáveis do que quando a crise estalou. Não estamos objetivamente menos vulneráveis. Pelo contrário, se hoje voltassemos a ser alvo de um ataque especulativo como então aconteceu, sem que a Europa reagisse com instrumentos como o BCE para acalmar os ânimos, voltaríamos com certeza à estaca zero da crise. Eis o milagre ao contrário em todo o seu explendor. Depois de tanto sacrifício, depois de tanto esforço e de tanta destruição, não estaríamos com certeza melhor preparados para resistir ao embate. No entanto, como estamos a levantar-nos de uma tremenda queda, alegramo-nos com a ilusão de estarmos a progredir. Ora, só nos estamos a levantar porque efetivamente caímos. Simples, não?

Artigo ontem publicado no Açoriano Oriental

domingo, 13 de abril de 2014

Força Guiné

Esperemos que as eleições corram bem na Guiné. É difícil esperar milagres num país tão devastado a todos os níveis. De qualquer modo, seria muito bom ver o país conquistar hoje a paz e o Estado de Direito. Os guineenses merecem.

sábado, 12 de abril de 2014

A Rua do Mr. Barroso

Não tenho dúvidas que foi importante para Portugal ter, durante dez anos, um Presidente da Comissão Europeia. Durão foi a figura que mais tempo ocupou o o cargo, lado a lado com Delors.

Mas daí a realizar-se uma conferência em Lisboa para se consagrar o maravilhoso  "Mr Barroooso", mostra que o grande estadista continua demasiado preocupado com o reconhecimento que terá na sua rua...

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Este país é uma Casa da Sorte

Quando pensávamos que a ideia de sortear faturas e distribuir carros de alta cilindrada era uma piada, vimos um Governo cada vez mais orgulhoso do seu modelo genial. Quando pensávamos que uma política pública de suposto combate  à fraude fiscal não podia ser  mais bimba, chamaram-lhe "Fatura da Sorte".  Para rematar esta palhaçada, ficámos hoje a saber que tudo isto culmina com um programa de televisão tipo Euromilhões com direito a apresentadora bem conhecida da praça e tudo... Comentários para quê?

terça-feira, 8 de abril de 2014

Uma das Lições da Crise Ucraniana

Depois da anexação da Crimeia, a desagregação da Ucrânia continua. Tudo isto sucede com um mundo, e sobretudo uma Europa, boquiabertos, como se este tipo de disputas territoriais fossem coisas do século passado.

Da mesma maneira que foi prematuro  (e imaturo) declarar no final do século XX que a democracia era um último estágio de desenvolvimento político, a crise na Ucrânia recorda-nos que as velhas geopolítica e geoestratégia continuam o seu "business as usual" no século XXI.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

160 Euros?!?

Só hoje fiquei hoje a saber que, nas legislativas de 2011, o PSD totalizou 160 euros de donativos.  Sim, vou repetir: 160 euros de donativos em toda a campanha eleitoral das legislativas. É bonito...

A transparência nas contas dos partidos é daquelas temáticas chatas, que já tem barbas, que já ninguém consegue ouvir falar, mas onde tudo parece estar na mesma há décadas. A cowboiada continua, mantendo-se o pouco interesse na transparência destes processos. Porque será?

Pode alguém ser quem não é?


Para que fique claro, eu não compraria um carro usado a nenhum destes Josés. De qualquer modo, entre um veterano do jornalismo e um ex-Primeiro-Ministro, seria de esperar um pouco mais de hombridade do segundo. Mas não... Ontem, depois de um ano de posturas aveludadas, o país reviveu o Sócrates que durante tanto tempo conheceu: alguém altamente irritável, sempre pronto a partir para o insulto quando lhe tocam em qualquer um dos seus minhentos pontos sensíveis. 

Devemos naturalmente agradecer a José Rodrigues dos Santos por nos ter levado o Sócrates de veludo e nos ter devolvido o Sócrates "à séria". O original é sempre melhor do que uma contrafação de vão de escada. Pode alguém ser quem não é?

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Conversa de Jonet = Conversa de Café


Para ser honesto, não me preocupam os posicionamentos conservadores da senhora, mas sim o nível primário do seu pensamento. Parece que não consegue ir além da conversa de café...

Que bonito...


As trocas de acusações entre Durão Barroso e Vítor Constâncio sobre o BPN são bonitas. Fico sempre enternecido com estes episódios que acabam inevitavelmente num "a culpa é de todos, a culpa não é de ninguém". 

terça-feira, 1 de abril de 2014

Abril anda por aí


Coisas boas da vida: depois de uma birra interminável a caminho de casa, o choro da Luísa subitamente parou quando passámos em frente ao Hospital dos Capuchos: "A pintura do pai!!!".  :) O espírito de Abril anda por aí!

O Desgoverno Contra-Ataca


A política de comunicação de um Governo reflete bem o seu grau de coesão. A capacidade de comunicar de forma minimamente estruturada exige uma importante base de coordenação interna, alinhando prioridades, estruturando a agenda e articulando os atores. Não sendo uma tarefa fácil, consegue perceber-se à distância os Executivos que beneficiam de uma melhor política de comunicação e aqueles que andam aos bonés, navegando à vista quase o tempo todo.

Até há uma semana, eram com certeza poucos os que sabiam quem era o Secretário de Estado José Leite Martins. O episódio dos cortes das pensões acabou por catapultar um quase ilustre desconhecido para as luzes da ribalta. Assistiu-se então a um lamentável cenário de desautorização de Leite Martins por todo o Executivo Governamental, começando pelo Primeiro-Ministro e acabando por diversos colegas seus Secretários de Estado. À primeira vista, poder-se-á dizer que o referido sacrifício em praça pública foi a melhor solução possível para tentar resolver uma tremenda trapalhada. De qualqiuer modo, ficou mais uma vez evidente a imagem de desgoverno que o atual Executivo passa para o exterior.

Em Maio do ano passado, apontei precisamente neste espaço do Açoriano Oriental o Desgoverno em curso, tendo então como grande protagonista Paulo Portas e a sua capacidade de se colocar de fora e até de fazer oposição às decisões governamentais. O processo viria a culminar depois com o “irrevogável episódio” de Portas e a sua ascenção a Vice-Primeiro. Quase um ano depois, o Desgoverno contínua, sendo mais evidente do que nunca a falta de coordenação política interna.

Os Governos possuem tipicamente a figura de um coordenador político, uma figura-chave que nos ajuda a perceber um pouco o que agora se está a passar. O coordenador político é geralmente um ministro muito próximo do primeiro-ministro, bastante conhecedor da máquina partidária, e que assume a importante missão de colocação de alguma ordem na casa. No Governo de Durão Barroso tinhamos José Luis Arnaut ou Morais Sarmento a ocupar este lugar. Nos tempos de José Sócrates, todos nos recordamos de Jorge Coelho e, mais tarde, de Pedro Silva Pereira. No início deste Governo de Passos Coelho, foi o famigerado Miguel Relvas que assumiu esta posição. No entanto, no atual Executivo, este é um lugar em aberto. Aliás, Poiares Maduro começou por ser apontado como o grande coordenador político desta estrutura governamental. No entanto, estranho seria que um recém-chegado independente, sem qualquer governativa, pudesse desempenhar tal função. Moreira da Silva, por seu turno, foi remetido para a pasta do Ambiente e por lá tem ficado.

O atual Executivo não demonstra ter quem assuma a referida função. O que se torna particularmente preocupante tendo em conta que se trata de um Executivo de coligação. E a bicefalia reflete-se demasiado na própria estrutura interna, com a existência do cargo de vice-primeiro-ministro e a sua conhecida coordenação da vertente económica da política governamental. Não são poucas as vezes em que parecem existir dois governos.

Na ausência da referida coordenação, as evidências saltam demasiado à vista. Ministros que se atropelam frequentemente ou que atuam sem prestar contas a ninguém. Um primeiro-ministro que transpira falta de autoridade junto dos seus ministros e que vai sempre tentando, de forma reativa, dar forma ao monstro disforme em que o seu Governo se transformou.

Poder-se-á pensar que este desgoverno até representa uma boa notícia para quem a ele se opõe… No entanto, se pensarmos um pouco melhor, é sempre preferível um monstro orientado e focado do que um monstro em descontrolo total. O segundo consegue produzir ainda mais estragos.

Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental

Lisboa Opaca

António Costa é hoje o super-autarca do país. Ninguém sabe ainda se é futuro candidato a primeiro-ministro ou futuro candidato a Presidente da República, mas um futuro político radioso a médio prazo está-lhe diagnosticado há já algum tempo. E verdade seja dita: o perfil de Costa assenta na perfeição no tipo de figura política a quem estão reservados grandes voos. É um político muito hábil, com boa presença, com grande capacidade de gerar empatia pelo discurso aberto e estruturado que tipicamente apresenta, assim como pelas importantes pontes que consegue gerar à sua volta com diversos setores políticos. E, junto do eleitorado mais à esquerda, é um político que conseguiu posicionar-se bem em temáticas como o ambiente e a mobilidade, a recuperação urbana e as políticas culturais, as TIC e a modernização administrativa, entre outras dimensões. Um perfil quase irrepreensível em termos políticos.

Mas o verniz parece ter estalado de forma particular no último mês. E estalou porque deixou a céu aberto a política pouco transparente levada a cabo pela Câmara Municipal de Lisboa. De forma quase inexplicável, o Executivo Camarário tem recusado de forma categórica o acesso público a um relatório elaborado em 2011 sobre “Obras Municipais – o Estado da Obra”. Subscrito pelo então vereador Fernando Nunes da Silva e entregue à Comissão de Boas Práticas, o documento parece apontar problemas na contratação de obras públicas pela Câmara Municipal de Lisboa. Desde 2011, a Câmara tem utilizado todos os expedientes judiciais necessários para não conceder acesso ao relatório. Mesmo com o parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos para que o relatório fosse divulgado, o Executivo foi sempre recorrendo judicialmente de todas as sentenças que obrigassem à divulgação pública do documento, chegando mesmo ao extremo de recorrer ao Tribunal Constitucional. No final de Fevereiro, o Tribunal Constitucional finalmente pronunciou-se sobre a necessidade de ser divulgado publicamente o referido relatório, colocando assim um ponto final judicial ao processo. Aguarda-se de momento a efetivação da referida decisão.

Escusado será sublinhar os lamentáveis contornos de todo este caso, onde assistimos a uma entidade pública a procurar por todos os meios negar o acesso a informação do setor público. Chega mesmo ao cúmulo de levar ao Tribunal Constitucional esta sua obstinada falta de vontade de transparência. Um processo que, sem qualquer exagero, envergonha e mancha profundamente a democracia na cidade

A abertura e a transparência são há muito uma parte obrigatória de qualquer discurso político, de qualquer manifesto eleitoral. Todos são apologistas da transparência, da abertura e da participação e controlo da atividade pública pelos cidadãos. Mas tudo parece complicar-se quando se trata da aplicar o referido discurso. Até na capital do país, até pelo super-autarca modelo que de tão boa imprensa beneficia.

Há alguns anos atrás, a transparência exigia grande esforço, grande vontade. Não era fácil de praticar. Nos dias que correm, com a banalização das tecnologias, da internet, das ferramentas de gestão de informação online, qual é afinal a verdadeira dificuldade operacional para que as entidades públicas se tornem verdadeiramente transparentes?

Artigo publicado na Sexta-feira no Esquerda.net