terça-feira, 14 de abril de 2015

Cinco Sinais de Fim de Ciclo

1 - O Governo tornou-se simpático. Depois de anos a fio com o discurso da austeridade, do viver acima das possibilidades, o Governo pretende agora mostrar a sua face humana. Suaviza algumas dimensões da austeridade que ele próprio iniciou, baseando-se numa suposta retoma que ainda ninguém viu, ouviu ou sentiu. Mas que diz ser uma realidade clara e que devemos acreditar nela. Realinha assim o discurso no sentido do crescimento económico e começa até a colocar as pessoas no centro do seu discurso. É maravilhoso. Subitamente percebemos que os maus tratos a que somos sujeitos são apenas para o nosso bem, uma espécie de correctivo duro mas necessário, sendo por isso tempo de virar a página. E, sobretudo, insiste-se na tecla para que não deitemos tudo a perder, para que não estraguemos esta suposta retoma que tanto se insiste estar a acontecer.

2 – Há que garantir o futuro dos boys. Se o início de um ciclo é o momento privilegiado dos jobs for the boys, o fim de um ciclo é também intenso a este respeito. Quem até agora dependia de cargos de nomeação política, seja de primeira linha ou nos gabinetes ministeriais, e que não possui uma solução de backup, encontra-se agora intensamente à espreita de um poiso seguro. Seja um lugar numa Direcção Geral, numa empresa pública ou numa fundação, estes últimos meses são o último cartucho para garantir o futuro. As entidades públicas começam assim a ser subitamente tomadas por súbitas reformulações e supostas mudanças estratégicas. Novas caras começam a aparecer, sem que ninguém tenha percebido de facto porquê. Boys ao ataque, portanto.

3 - O principal partido da oposição radicaliza-se. Apesar ter sido um dos signatários do memorando com a troika, há que gritar mais alto do que nunca que as medidas aplicadas não tinham nada a ver com o que foi acordado. Aliás, é tempo de dizer de forma mais afincada do que nunca que se é contra a austeridade, contra as políticas atuais, contra os seus protagonistas. E que um novo ciclo se aproxima, embandeirando expressões como “mudança”, “esperança” e outras semelhantes. Importa não ser claro quanto à revogação das medidas atuais e importa também não se comprometer muito. Mais do que ser, este é o momento de se parecer mais radical do que nunca.

4 – Os tachos futuros estão já a ser discutidos. E isso agita as águas no principal partido da oposição. Quem é amigo de quem, quem fica em que lugar na lista do distrito, quem faz esta ou aquela parte do programa eleitoral são aspectos que neste momento levam a tremendas cargas de ombro entre os correligionários do novo ciclo. É a estrutura e composição do novo Governo que está em causa. Assim sendo, o espaço, o palco, o protagonismo que hoje se conseguir interna ou externamente ao partido determinará o papel a assumir na próxima legislatura. Por isso, este é o momento para se colocar em bicos de pés nos mais diversos domínios, ao mesmo tempo que se elogia publicamente o grande líder do partido. Bajular hoje para colher amanhã.

5 – São todos iguais e a alternativa não existe. Seja pelos casos que vão surgindo e vão enchendo as notícias diariamente, seja pelas amnesias que tipicamente atacam os grandes partidos nestas fases, reforça-se em toda a linha a ideia que todos têm telhados de vidro. Todos têm as mãos sujas, todos têm os seus podres, competindo ao eleitor apenas escolher entre os menos maus. Convida-se assim à alternância, sem que a alternativa possa ser minimamente considerada. Porque experimentar novas soluções, isso sim seria perigoso. Nem pensar neste tipo de soluções.

Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental

quarta-feira, 1 de abril de 2015

SATA, a nossa moeda de troca?


A revolução low cost já chegou aos Açores. O passado Domingo foi marcante a este respeito, com a chegada dos primeiros voos à região. Lançam-se agora vivas à Easy Jet e à Ryan Air, que parecem finalmente colocar um ponto final nos elevados preços do transporte aéreo entre os Açores e o Continente. Mas no meio desta euforia regional que parece ter-se generalizado, apenas um pequeno detalhe, apenas um pequeníssimo pormenor, parece ter ficado por resolver: a SATA, companhia aérea regional de bandeira, não só ficou de fora dos festejos, como vê agora o seu futuro com insegurança e apreensão. 

Sobretudo a componente SATA Internacional do grupo, que é agora obrigada a bater-se com operadores que jogam noutro campeonato. E escusado será sublinhar que a SATA não é apenas uma marca com um conjunto de aviões. Trabalhadores da empresa e suas famílias têm evidentemente razões para olhar de forma apreensiva para a revolução low cost em curso. Parte da empresa pública regional parece ser o cordeiro a sacrificar em todo este processo. No fundo, uma moeda de troca, como se de um mal necessário ou de uma fatalidade se tratasse. 

O Governo Regional, pela voz do seu Secretário Regional dos Transportes, bem tentam dar a volta à questão. O Plano Estratégico da SATA, apresentado três meses antes da abertura do espaço aéreo (?!), surge como a grande resposta. O Plano prevê a redução de receitas e refere de forma muito mitigada a necessidade de redução de pessoal. Poucos parecem acreditar na sua solidez, a começar pelos próprios trabalhadores da própria SATA. 

A chegada das companhias aéreas low cost é o culminar de uma discussão com muitos anos, que identificava há muito os problemas do anterior modelo de espaço aéreo fechado. Os elevados preços do transporte aéreo condicionavam o desenvolvimento da região, sobretudo em termos turísticos, mas não só. Qualquer solução que implicasse a redução dos custos das ligações aéreas com o Continente seria naturalmente muito bem-vinda, tais eram os constrangimentos provocados pelo anterior modelo. 

Precisamente por esta ser uma mudança que vinha sendo pensada, discutida e analisada há tantos anos, é grave constatar que a mesma parece ter sido muito mal preparada. Num dia, a o espaço aéreo fechado era fundamental para garantir a coesão entre ilhas, no dia seguinte deixou de ser. Num dia, as companhias low cost ofereciam pouca qualidade nos serviços prestados, no dia seguinte já não era bem assim. Num dia, a SATA era uma empresa regional de referência, levando o nome dos Açores a vários continentes, no dia seguinte passou a ser uma empresa pouco sustentável, que necessita de se “adaptar aos novos tempos”, de se “preparar aos desafios futuros”. 

Tudo indica que as low costs terão um papel positivo na região. Ainda bem que assim é. Mas que o referido processo tenha acontecido assumindo a SATA como moeda de troca é de uma gravidade e incompetência grandes. Não se pode achar que uma empresa habituada a um mercado fechado pode subitamente adaptar-se a um mercado liberalizado. Não se pode assumir que um Plano Estratégico aprovado três meses antes de tão grande mudança poderá fazer milagres. E, sobretudo, não se pode sequer considerar que os destinos de uma empresa pública e estratégica como a SATA são um mero detalhe.

Se não houve capacidade durante estes últimos anos para preparar decentemente a transição para o mercado liberalizado, que haja agora compromisso, tempo e vontade do Governo Regional para o fazer. A SATA não pode ser a moeda de troca de todo este processo. A empresa, e sobretudo os seus trabalhadores, merecem muito mais do que isso. 

Artigo ontem publicado no Açoriano Oriental