Numa altura em que a Grécia voltou a encher páginas nos jornais portugueses, vale mesmo a pena seguir os olhares um pouco diferentes disponíveis no Observatório da Grécia. Os autores dispensam apresentações. Tudo gente altamente suspeita, portanto.
quarta-feira, 27 de maio de 2015
terça-feira, 26 de maio de 2015
Os Viradores do Disco e os Tocadores do Mesmo
Com o aproximar das legislativas, sente-se que a luta política está ao
rubro. A agenda mediática é tomada de assalto pelos protagonistas políticos.
Ora diagnosticam o estado presente do país e justificam porque é que farão
melhor no futuro, ora tentam desmontar o argumentário dos seus adversários
procurando mostrar que as suas soluções são melhores. Mas mais do que esta
saudável competição de ideias e propostas, grande parte do combate político por
estes dias faz-se com os pequenos casos, com as pequenas gaffes, com a oposição
fácil às declarações do seu adversário no dia anterior. No fundo, apanha-se o
assunto do momento como âncora (e.g. seja ele o bullying nas escolas, a
violência contra o adepto do Benfica ou a biografia do primeiro-ministro) e
prestam-se rapidamente declarações públicas que garantirão que a força política
terá o seu espaço no jornal da noite. E é mais ou menos nesta roda-viva que a
pré-campanha para as legislativas se processará até Outubro.
Simultaneamente a esta dinâmica, o cidadão é presenteado com a chuva
de comentário político nos canais generalistas e nos canais de informação.
Comentários estes protagonizados sobretudo por atores políticos interessados e
comprometidos com as forças políticas em competição. Seja a rúbrica do Marcelo,
do Marques Mendes ou do António Vitorino, a maioria do comentário que esmiuça a
actualidade é parte interessada na luta política. Contribui pouco, ou poderia
contribuir muito mais, para uma democracia de qualidade.
Sendo os atores políticos partes interessadas e estando os
comentadores comprometidos, compete à comunicação social, às redacções e aos
jornalistas individualmente, garantir que a agenda mediática não seja
totalmente sequestrada por temas que se perdem na espuma dos dias. E neste
aspecto, mesmo os órgãos de referência na informação a nível nacional raramente
têm conseguido ser imparciais na formulação da agenda mediática. Aliás, frequentemente
deixam-se levar em vagas de fundo, amaldiçoando quem ainda ontem era bestial e
beatificando quem ainda ontem era uma besta. No fundo, coroam os novos
vencedores e banem os perdedores, sendo sempre pouco claros neste processo.
Trocado por miúdos, a comunicação social que temos consegue ser um bom
“virador de discos”, mas importa que controle também melhor quem teima em “tocar
o mesmo”. Assumindo o seu papel de quarto poder e até de watch dog nos sistemas democráticos, a comunicação social terá de
ter a capacidade de destronar quem lá está, mas também de assegurar que quem aí
vem não faz o mesmo suportado num discurso ligeiramente diferente. Deverá ainda
possibilitar que a sociedade civil tenha memória, não esquecendo o que apenas
há seis meses ou há seis anos atrás sucedeu. Deverá ser a primeira promotora de
massa crítica sobre o que se passa, a primeira garante que o contraditório
existe e a primeira defensora de que abordagens alternativas são sempre
possíveis.
Como é evidente, todos sabemos os atuais constrangimentos sofridos nas
redacções de todos os órgãos de comunicação. Os orçamentos cada vez mais
curtos, a concentração da propriedade dos media, a pressão da digitalização e
da gratuitidade são apenas algumas das dimensões que colocam em causa o
trabalho jornalístico com maior profundidade. Não haja portanto a menor dúvida
que a profissão de jornalista atravessa, nos dias que correm, tempos
particularmente difíceis.
Mas, por isso mesmo, para além de sermos solidários com as inúmeras
reivindicações e alertas que têm vindo a público sobre os requisitos de um
jornalismo de qualidade, importa não deixarmos de ser exigentes com o trabalho
jornalístico que nos é apresentado. Importa demonstrar inconformismo com o mero
papel de “viradores do disco” atribuído à comunicação social. Precisamente
demonstrando todos os dias que contamos com ela como principal garante para que
não se “toque sempre o mesmo”.
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
sexta-feira, 15 de maio de 2015
No País dos Dias Loureiros
Elogiar Dias Loureiro é doentio. Um delírio tão grande de Pedro Passos Coelho que, num primeiro momento, foi quase desconcertante. Será alguma golpada mediática? Estará a passar alguma mensagem nas entrelinhas? Não, nada disso. Foi apenas mais uma demonstração de que temos um primeiro-ministro que há muito perdeu a “ligação à terra”. De alguém que vive numa espécie de realidade paralela.
Mas para além de um primeiro-ministro alienado (se quisermos ser simpáticos), o episódio de Dias Loureiro reflecte de forma cristalina a cultura de mérito que nos rodeia. Demonstra bem o conceito de “subir na vida” para uma parte muito substancial das nossas elites políticas e económicas. É que por detrás do discurso quase humanista do trabalho árduo de sol a sol, do esforço e sacrifício pessoal que é preciso para se ser alguém na vida, existe também uma cultura fortemente arreigada que acha normal os compadrios, os tráficos de influência e até os pequenos e grandes fenómenos de corrupção. Tolera tais fenómenos porque encontra sempre uma razão mais ou menos parola, mais ou menos sofisticada, para os justificar.
Uma cultura que crítica a sujidade da política, os jogos que lhe são inerentes, os interesses que lhe estão subjacentes, mas que quando chega o momento de tentar atacar o referido problema, encontra sempre um bom motivo para o não fazer. E as linhas de raciocínio são brilhantes a este respeito. O Presidente da Câmara até se farta de dar trabalho aos seus amigos, mas se lá estivessem outros, acabariam também por fazer o mesmo. O Secretário de Estado ou o Ministro encheu o seu gabinete e os institutos que tutela com boys do seu partido, amigos e familiares, mas isto sempre foi e sempre será assim. Porquê chatear-nos com essas coisas?
Uma cultura que sublinha que temos uma economia atrasada, que nos faltam profissionais nos negócios, que precisamos de ter um espírito mais empreendedor. Mas é também uma cultura que continua a desvalorizar significativamente a formação e o seu valor. Elogia a competência e o profissionalismo, mas acha que, no mundo dos negócios, o que importa é ser esperto, ter os contactos certos e conseguir abrir as portas necessárias. Isso é que é importante. Importa saber-se mover bem e fazer o que for necessário para que o negócio aconteça. Mesmo que com isso se atropele um pouco a lei ou se contorne esta ou aquela obrigação. Mesmo que um ou outro valor prometido na missa do último domingo seja sacrificado. Negócios são negócios, e as pessoas bem-sucedidas são-no porque se souberam mexer.
Por fim, uma cultura que crítica as ligações que existem às claras entre a economia e a política, afirmando que são os contribuintes que pagam tudo isto, mas que tolera bem estas ligações quando acontecem com pessoas que lhe são próximas. E encontra sempre um bom motivo para fechar os olhos a este respeito. É sabido que, lá na terra, o Presidente da Câmara adjudicou uma obra a uma determinada empresa e que esta arranjou forma de o compensar. Mas isso sempre funcionou assim e o tipo até é porreiro. É sabido que o presidente do Instituto X foi particularmente simpático no seu mandato com a empresa Y, e toda a gente sabe que a referida empresa até lhe dará trabalho no futuro. Mas, lá está, o tipo até é competente e tem mérito em algumas coisas que faz.
No meio desta cultura de Dias Loureiros, importa de vez em quando ir sacrificando alguns nomes em praça pública, atribuindo-lhes toda a podridão do mundo. Tal deve acontecer para as pessoas não pensarem que esta é uma república das bananas sem rei nem roque. Importa ir encontrando uns Vales Azevedos, uns Migueis Relvas, uns Josés Sócrates e linchá-los bem. A moral pública fica assim mais equilibrada e cada um de nós fica satisfeito porque, de vez em quando, até parece que se tenta fazer justiça.
Artigo publicado na terça-feira passada no Açoriano Oriental
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