Possivelmente já tudo foi dito ou escrito sobre Donald Trump. E se não o foi, o próprio continuará a fazer questão de dar ao seu país e ao mundo um milhão de más razões para que se continue a falar e a escrever sobre a sua pessoa. As primárias nos partidos americanos são tipicamente alvo de uma ampla cobertura internacional. Mas o fenómeno Trump conseguiu de facto captar a atenção do mundo inteiro. E não pelas melhores razões.
A candidatura de Trump começou por ser uma piada. Alimentada pela comunicação social, como tipicamente acontece neste tipo de situações, começou por ser um fenómeno interessante de seguir. Permitiu que a campanha das primárias saísse da normalidade em que tipicamente ocorre. Trump brindou os americanos com declarações insólitas, imprevisíveis, totalmente fora da caixa e politicamente incorrectas. Disparou em todas as direcções e conseguiu acumular manchetes nos jornais e notícias de abertura nas televisões de todo o mundo. Fez também a delícia dos comediantes, fornecendo todos os dias matéria-prima interessante para ser trabalhada.
Mas, como tipicamente acontece com estes fenómenos, o que começou por ser uma piada começou aos poucos a ganhar contornos bastante mais assustadores. Trump deixou de ser simplesmente o candidato que dava cor e animação à campanha republicana, para aos poucos ser assumido como o favorito na maioria dos Estados americanos. A piada tornou-se bastante real, ao ponto de hoje ser quase certo que um dos candidatos à presidência da ainda única superpotência mundial será um perigoso populista. Alguém com perigosas visões sobre o papel dos Estados Unidos no mundo, com ideias muito limitadas e obtusas sobre o ideal americano de liberdade e igualdade.
Uma das melhores formas de avaliar um político passa por analisar o tipo de sentimentos que desperta nas pessoas. Ou seja, a que tipo de valores apela? Que tipo de relacionamento com o outro advoga? Como encara a diferença? Que tipo de papel atribui-se no futuro do país? Vista deste prisma, a qualificação da candidatura de Trump não deixa margens para dúvidas. O milionário americano assenta o seu discurso político no medo e até no ódio. Medo da diferença, medo dos outros. Apela aos sentimentos mais básicos do eleitorado americano, atribuindo-se o papel messiânico de “tornar a América grande outra vez”.
Como sempre acontece nestas alturas, importa voltar a lembrar porque surgem subitamente este tipo figuras populistas no espectro democrático. Porque encontram um terreno tão fértil? Onde assenta a sua base de apoio? Na verdade, o seu discurso anti-sistema, disparando contra tudo e contra todos, denunciando a corrupção e o distanciamento dos políticos, consegue sempre colher grandes simpatias junto de um eleitorado tipicamente alienado. Por outro lado, a sua capacidade de falar uma linguagem popular simples, sem relativismos, assim como a sua disponibilidade para falar sem filtros, expressando sem rodeios os medos e raivas populares, fazem com que a sua candidatura rapidamente comece a colher simpatias.
O populismo é provavelmente um dos perigos mais antigos dos sistemas democráticos. Basta recordar que os pensadores da Grécia clássica já alertavam para o referido fenómeno há mais de 2500 anos. No entanto, apesar da sua antiguidade, os últimos anos têm sido férteis no surgimento deste tipo de fenómenos (basta lembrar Marine Le Pen ou Beppe Grillo). Não existem soluções fáceis para combater este tipo de fenómeno, uma vez que são o reflexo de uma série de debilidades da democracia. De qualquer modo, para além de atacar os problemas estruturais na base do seu surgimento, se calhar podemos começar por estar mais atentos ao seu surgimento e condená-los logo à partida, buzinando em vez de até lhes achar graça numa fase inicial.
PS: Vale a pena visitar o site www.trumpdonald.com e buzinar aos ouvidos do milionário americano.
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental