quarta-feira, 26 de maio de 2010

Liberdade rima com diversidade

A promulgação na semana passada do diploma que prevê o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi a concretização de um grande passo rumo à liberdade e igualdade entre os cidadãos. Portugal passa a integrar o pelotão da frente dos países que maior igualdade de direitos concedem no domínio da orientação sexual. E sim, importa sublinhar que é de direitos que estamos a falar. E se os sectores políticos mais conservadores se refugiam na tese de que o que agora se está a alcançar pouco mais é que uma moda ou um fait diver, tal desvalorização apenas reflecte o beco sem saída em que se encontra a sua linha de argumentos sobre esta questão.

No entanto, como é sabido, o reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo abriu caminho a uma nova discriminação. A adopção continua vedada a estes casais sem que se vislumbre qualquer explicação minimamente racional para fundamentar tal interdição. Apenas a consagração de um casamento de primeira e de um casamento de segunda, de uma família de primeira e de uma família de segunda, consegue justificar o cenário agora criado. Apenas as bandeiras da tradição e da convenção o justificam. As explicações que procuram ir além disso por vezes tentam encontrar refúgio na moral. Uma opção no mínimo estranha dado o relativismo que circunda esse tipo de dimensão.

Pois é precisamente no ultrapassar de tais âncoras que se afirma a liberdade. É na consciência do que é relativo que se afirmam as sociedades tolerantes à diferença e abertas à diversidade. A consciência de que o normal, o melhor, o bonito e até o bom não são absolutos. A consciência de que os padrões e as maiorias existem, mas que é sobretudo a diversidade que constitui o padrão das sociedades contemporâneas, competindo à democracia abrangê-la sem paternalismos ou estratificações. A igualdade assume-se, portanto, como o compromisso normal na diversidade. Apenas interiorizando a plena igualdade se consegue viver bem com a diversidade dos tempos actuais.

As sociedades democráticas devem, deste modo, procurar constantemente reflectir sobre elas mesmas, sobre a sua abrangência, assumindo a inclusão e a abertura como objectivos permanentes. Não com o receio latente de serem tomadas pelo caos e pelo pecado, mas numa perspectiva de progressiva superação. Uma permanente vontade de aperfeiçoamento, deixando de fora os dogmatismos e os preconceitos. Centrando-se no essencial – o bem-estar, a felicidade, a inclusão, a liberdade, a igualdade. Acreditando, sobretudo, na racionalidade, no empírico, no que pode ser demonstrado quando estão em causa questões fracturantes. Não se prendendo inutilmente em supostas tradições e bons costumes, muito menos atribuindo-lhes origem natural ou até divina.

Que o reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo seja uma lição de liberdade. Uma demonstração da lucidez moderna de não só admitir a diferença, mas de sobretudo considerar que grande parte dos edifícios em que assenta a normalidade social são convenções. Importantes, sem dúvida, mas que podem ser adaptadas sem grande drama sempre que valores superiores se imponham (como o alargamento de direitos civis, p/ex). Por último, que o reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo sirva para sublinhar nos nossos dias a tão importante máxima liberal de que “a minha liberdade termina quando começa a do outro”. Logo, só muito estranhamente me poderia opor a algo que em nada afecta a minha liberdade. Quando muito, empenhar-me-ei na defesa da liberdade do outro por considerar que só sou livre num reino de gente livre.

Artigo publicado ontem no Açoriano Oriental
(Imagem: Mannschaft)

1 comentário:

Anónimo disse...

Eu preferia que ao casamento de pessoas do mesmo sexo se chamasse outra coisa pela simples razão de que é óbvio que não é a mesma coisa. Poderia chamar-se "contrato de vida em comum" (por exemplo) e não percebo por que razão se deve limitar a duas pessoa. Por que não n pessoas, independentemente do sexo? Há uma boa razão: os homens são, por natureza, poligâmicos. As mulheres parece que nem tanto. Mas a lei que prevejo não obrigaria ninguém a nada, só entraria em casamentos com n (maior ou igual a 3) nubemtes quem quisesse e consentisse. Não percebo a restrição nem a aceito. O único argumento é o de que haveria muito poucas pessoas a irem por aí. Argumento fraquíssimo: vejamos quantos casamentos de 2 homens se vão realizar nos tempos mais próximos.