terça-feira, 19 de abril de 2011

A (Des)União Europeia

É um lugar comum dizer-se que as crises limitam-se a intensificar fenómenos que encontravam-se já latentes. Ou seja, se alguma coisa estava menos bem, ela agravar-se-á concerteza nos contextos de crise. No caso da presente crise económico-financeira que atravessamos, os seus efeitos estão à vista em inúmeras dimensões politicas, económicas e sobretudo sociais. Neste sentido, longe de descurar a importância ou até primazia de uma série de outras dimensões, torna-se particularmente interessante verificar o impacto que a crise está a ter no funcionamento da União Europeia como um todo. Porque, como seria de esperar, esta veio colocar ao de cima debilidades há muito identificadas no edifício europeu

Não sendo uma crise de âmbito nacional, ela foi atacando aos poucos os pontos mais débeis do panorama comunitário: as economias periféricas. Primeiro a Grécia, depois a Irlanda, agora Portugal e as próximas vítimas começam a vislumbrar-se cada vez com maior nitidez. No meio do que aconteceu e que corrói sem dúvida o acordo comunitário, sobressaiu com particular gravidade a falta de coesão do todo Europeu. Ou seja, perante um ataque a alguns dos seus, a reacção dos restantes Estados-membros não tem sido tanto a de assumir uma postura solidária e coesa, mas sim de travar as possibilidades de contágio isolando assim o doente, custe o que custar.

E tal situação não é problemática de devido a uma espécie de violação moral do conceito de solidariedade. Mas sim porque mina a base de coesão no seio de uma união e porque deixa corroer os pilares em que assenta o próprio projecto europeu. Não será por acaso o crescendo de sentimentos de inamizade por Angela Merkel e pelo seu país por toda a Europa. Não será também um pormenor a recente subida da extrema-direita na Finlândia. Parece-se esquecer que a fragilidade de parte da Europa é a fragilidade de toda a Europa.

Mas para lá desta dimensão da coesão ou não, importa igualmente ver a resposta política que o projecto comunitário está a dar ao que se está a passar. Depois de se ter tornado praticamente consensual que a desregulação dos mercados é a causa de muitos dos problemas que estão a surgir, que a especulação desenfreada provoca desequilibrios grandes e que apenas alimenta a irracionaldade dos movimentos financeiros internacionais, qual a solução que tem sido preconizada pela Europa? Varia entre a inacção e o intensificar a receita seguida até agora. Ou seja, desregular mais, liberalizar mais, deixar o mercado funcionar sem constrangimentos. Comentários para quê?

E se um Estado nacional tem naturalmente dificuldade em resistir isoladamente a tão ampla pressão dos mercados, um corpo com o peso político da União Europeia teria sem dúvida capacidade de forçar a alteração das regras do jogo. Com um consenso comunitário, muito poderia ter sido feito para evitar o panorama actual em que Estados inteiros ficam reféns de ataques especulativos perfeitamente irracionais às suas dívidas nacionais. Sobretudo numa altura em que, fruto da moeda única, deixaram de ter à sua disposição uma série de mecanismos económicos para contrariar tais tendências.

Começa a ser cada vez maior o número de vozes que defendem que a ausência de uma Europa forte politicamente e assente em pilares democráticos é insustentável. A fragilidade do gigante económico que é um anão político tem sido bastante evidente na actual crise. Torna-se portanto premente uma clarificação do projecto europeu. Na ausência de tal clarificação, estes serão tempos de erosão preocupante das instituições e do ideal europeu junto das opiniões públicas dos diversos países.
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Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental

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