terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Ainda acredita no Pai Natal?



Qualquer pessoa necessita de histórias simples, com morais maniqueístas e facilmente atingíveis, para poder facilmente interpretar a realidade que a rodeia. E, como seria de esperar, a comunicação política assenta bastante neste tipo de vicissitude. Os actores políticos simplificam a realidade, dando-lhe uma forma adequada à captação de simpatizantes para os seus pontos de vista. Assim sendo, o grande desafio em termos de comunicação política consiste em conseguir produzir uma narrativa que consiga obter mais aderentes do que a narrativa do adversário. Adaptando a ideia à presente quadra, a nosso conto de Natal tem de ser o mais verosímil, de modo a que todos acreditem no nosso Pai Natal.

Transpondo para o momento actual em Portugal, a mensagem de que “andámos a viver acima das nossas possibilidades, sendo agora necessário redimir-nos”, passou muitíssimo bem nos mais diversos sectores sociais. Existe de facto uma grande compreensão perante o quadro de sacrifícios agora pedido. Peguemos então em três exemplos concretos da presente narrativa da austeridade. Ou seja, exemplos que demonstram bem que entre a realidade e a crença produzida vai uma enorme distância.

Em primeiro lugar, andamos agora convencidos que o presente crise se deve à forma descontrolada como uma série de Estados europeus geriu a dívida soberana. No fundo, os Estados gastaram mais do que deviam em infra-estruturas e num Estado social acima das suas possibilidades. Eis pois a razão porque a economia mundial quase implodiu nos últimos anos, certo? Pois... Todos parecem ter-se já esquecido que a presente crise surgiu devido à falência de uma série de empresas financeiras americanas, nomeadamente o Lehman Brothers. Foi o nervosismo de todo um sector totalmente desregulado que magicamente transformou a crise dos mercados financeiros na crise da dívida soberana dos Estados.

Vamos a um segundo exemplo. Parece-nos agora claro que existe um quadro laboral demasiado permissivo em determinados países, com consequências directas na produtividade. Pegamos no exemplo grego e assumimos rapidamente que são pouco trabalhadores, roçando mesmo a preguiça e a malandrice descarada, correcto? Pois... Mas uma simples vista de olhos pelos dados do Eurostat demonstram-nos, por exemplo, que os gregos são o povo que mais horas por semana trabalha na Europa. E esta, hein? Parece que afinal o problema da produtividade grega não surge de um mercado de trabalho demasiado benevolente.

Por último, parece-nos quase indiscutível que é preciso colocar um ponto final aos abusos e despesismo públicos dos últimos anos. É preciso acabar com regalias, com a abstinência no trabalho, com despesas mal feitas. É preciso melhorar a eficiência e a eficácia do aparelho público, atacando sem tréguas os abusos a que era sujeito, correcto? Pois... Mas se fosse esse o objectivo, o rigor, a transparência dos processos e a fiscalização seriam as medidas adequadas para o fim em causa. No entanto, o caminho seguido tem sido o do corte, da eliminação de direitos, das privatizações.

Este último ponto é particularmente elucidativo. Podemos acreditar que os sacrifícios agora pedidos surgem de uma vontade clara de melhorar o modelo económico e social europeu que prevaleceu até à data, eliminando desperdícios e as ditas gorduras existentes. Ou podemos estar certos que é uma mudança de modelo com preceitos liberais que, sendo naturalmente legítima, está a operar-se de forma muito pouco transparente. No fundo, uma mudança demasiado assente em narrativas. Cada um acredita no Pai Natal que quiser…


Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental

(Imagem: Clownlink)

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