sábado, 25 de janeiro de 2014

Sobre os Mecos e Praxes


  1. Se o que se passou foi de facto um ritual de praxe, podemos naturalmente querer ver aqui um vilão (o Dux, que é um míudo) e um grupo de vítimas (os míúdos que tristemente morreram). Mas por mais que o maniqueismo leve a assim pensar, convém ter em conta que os míudos que morreram não estavam naturalmente a ser obrigados a nada. Pelo contrário, a acreditar nos contornos que a imprensa agora começa a revelar, estavam numa espécie de ritual de passagem para uma maioridade praxista. Eram todos membros da Comissão de Praxes. Faziam-no portanto convictos da necessidade de serem humilhados para mais tarde alcançarem a "glória". Não há aqui um vilão e um grupo de vítimas. Quando muito haverá um  grupo de míudos tontos e tristemente palermas que, no meio de rituais estúpidos, deram origem a uma tragédia.
  2. Que esta tragédia sirva pelo menos para que o país abra um pouco os olhos (já não era sem tempo...) para a palermice saloia e reacionária em que se apoia esta suposta tradição académica. A essência da praxe (humilhação do caloiro pelo veterano; ser hoje mandado para amanhã poder mandar; ser hoje humilhado para amanhã poder humilhar) representa precisamente a essência inversa do Ensino Superior. Santa patetice...

Fogo... Dia Complicado

Me no brain

Quando um líder de uma juventude partidária, um político, faz depender a sua opinião da opinião da "sociedade", está tudo dito....

domingo, 19 de janeiro de 2014

Vítor Pereira tentou reacender a Primavera Árabe


Foi o best da semana. Em plena Arábia Saudita, ninguém o cala. Gostei sobretudo da parte em que questionou: "Isn't this a free country?!". Por pouco a juventude saudita não acorreu à Praça Tahrir lá do sítio.

Bora lançar os foguetes?


Sem que se percebesse muito bem como, subitamente começou a ser-nos dito que o país já está no caminho do crescimento. Que o pior já passou, que a economia está a acordar e que começamos a ter razões para sorrir. Mas há mais. Dizem-nos que a malvada troika está prestes a ir-se embora, expulsa pela gente responsável deste país que soube apertar o sinto. Dizem-nos ainda, com ar semi-radioso, que a austeridade foi dura, mas serviu para colocar as coisas nos eixos. Devemos portanto estar todos agradecidos aos bravos capitães da direita portuguesa que, mesmo nos momentos mais tumultuosos, onde maiores dúvidas surgiram, nunca hesitaram sobre o rumo a seguir para sair desta crise.

E subitamente, bem típico dos momentos atuais, todo este conjunto de mensagens começaram a disseminar-se nos média. Os sinais da retoma começaram a ser procurados em todo o lado, desde a emissão da dívida pública que correu bem nos mercados internacionais, até às típicas reportagens da empresa portuguesa bem-sucedida na sua estratégia de exportações. 

Por mais martelado que pareça este discurso, alimenta-se sobretudo de um sentimento importante que as pessoas sentem neste momento: a vontade de acreditar. Acreditar que o pior já passou ou está prestes a passar. Acreditar que, após os anos terríveis em que temos vivido, algo (não interessa o quê) está ou irá fazer o país renascer das cinzas, vai tirar-nos deste pesadelo que temos vivido.

Frequentemente acusada de idealismos vários, a esquerda é insuspeita de querer atenuar a vontade de acreditar dos cidadãos. Mas importa que consiga no momento presente trazer um pouco à terra os permeáveis às ideias acima. Demonstrando, por exemplo, que os sinais de retoma apontados, mais do que provenientes da economia portuguesa, são sim uma consequência de sinais de viragem na economia mundial. Ou seja, são exógenos à política seguida a nível nacional. Assim sendo, achar que a retoma do país acontecerá como consequência da política de austeridade continua a ser um disparate. Por outro lado, importa continuar a não relativizar o cenário que temos atualmente: um país económica e socialmente em cacos, com níveis de desemprego inacreditáveis, com cortes assassinos nos salários e nas pensões sociais, com emigração e massa da sua juventude e dos seus quadros.

E o pior de tudo é que, após todos estes anos de austeridade, não existem sinais de que qualquer reforma profunda tenha sido levada a cabo para evitar este tipo de crise no futuro. As agências de rating continuam aí, a especulação financeira continua a ser uma ameaça a qualquer economia com vulnerabilidades, os bancos continuam a ter a certeza que o Estado cobrirá as suas aventuras “bolhistas”.

Como muitos têm vindo a sublinhar recentemente, uma das dificuldades atuais no discurso da esquerda é não conseguir fazer passar uma mensagem positiva aos cidadãos, uma mensagem inspiradora, de renovação, de criação de algo novo. Pelo contrário, a sua postura defensiva indica aos mais desatentos um estranho apego ao passado, aos direitos que anteriormente existiam. Contra aqueles que dizem que é sempre mais fácil o discurso negativista, diria que no momento atual o facilitismo está sim num discurso de crença, que procura encontrar motivos vários para fazer as pessoas acreditar. Não vai ser fácil desmontar este discurso. É sempre mais fácil convidar as pessoas para um brinde ou para virem lançar foguetes para a rua.

Artigo publicado sexta-feira no Esquerda.net

O País da Bola


A morte de Eusébio deve naturalmente levar-nos a celebrar o que ele foi e o que representou: um jogador impressionante, um gigante, uma lenda viva, um galáctico vindo dos tempos em que ainda existiam heróis nacionais. Não era um santo, nem os santos são para aqui chamados. Era um homem humilde, um jogador da bola que, detalhe dos detalhes, foi o melhor do mundo. Como jogador, como artista que era, teve o dom de trazer muitas alegrias aos adeptos do Benfica e da Seleção. Levava os estádios à loucura, inspirava e enchia de felicidade todos os que por ele torciam. Mas, como já na altura acontecia, um desportista do seu nível rapidamente se tornou num símbolo do país. O seu nome correu o mundo e levou consigo o nome de Portugal. Portugal tem naturalmente de lhe agradecer por levar o nome do nosso país tão longe.

Todos sabemos que Portugal é um país da bola. Somos o país dos três diários desportivos que dissertam sobre bola. O país dos programas televisivos intermináveis sobre a jornada passada, a atual e a seguinte, o penalti que ficou por marcar, o fora de jogo mal tirado e o estado psicológico deste e daquele craque. Somos o país dos ruinosos estádios do Euro 2004 e das perigosas ligações entre a política e a bola. Somos igualmente o país com mais intelectuais da bola e treinadores de bancada por metro quadrado e onde falar de futebol é sempre, mas sempre, um bom tema de conversa de circunstância. Ou seja, existem uma série de razões para “às vezes” nos chatearmos com a febre da bola que temos. Por sermos tão obstinados com o raio da bola.

Só há aqui um pequeno pormenor que não nos devemos esquecer: o futebol é o desporto rei em todo o mundo. Nenhum outro desporto arrasta multidões tão grandes como o futebol. E, vai-se lá saber porquê, este pequeno país de 10 milhões de habitantes é uma potência indiscutível da bola. Este país é agora o n.º 5 do ranking da FIFA. Este é o país do Cristiano Ronaldo e do José Mourinho, do Figo e do Eusébio. É o país com jogadores espalhados pelas melhores equipas do mundo. O país que, para além do selecionador português, leva ao mundial também o selecionador da Grécia (Fernando Santos) e do Irão (Carlos Queirós). Ou seja, somos um país de doentes da bola. E acreditem que muitos e muitos países o são. Mas somos também um país de facto muito bom na bola. 

Como é óbvio, preferia ter um país conhecido por uma poderosa indústria científica, por uma imponente indústria da tecnologia ou por uma contagiante indústria cultural. Mas achar que ser uma potência do desporto rei é coisa pouca revela alguma pequenez de espírito. Em última instância, o futebol é hoje um fenómeno que arrasta multidões em todos os continentes. Em todo o mundo se vibra com o futebol. E se Portugal é conhecido pelo futebol, não há razão nenhuma para não tirarmos todo o proveito desta indústria de milhões. 

Por exemplo, Cristiano Ronaldo é hoje a marca mais conhecida que Portugal tem em todo o mundo. Se hoje apanharmos um táxi em Amã, em Santiago do Chile ou em Seul, o taxista com certeza saberá quem é Ronaldo. Aliás, a probabilidade de acontecer um “Portugal? Cristiano Ronaldo!” num qualquer café ou restaurante do globo é gigantesca.

Portugal é grande na bola. E ser grande na bola num mundo onde a bola reina, se calhar não é tão mau quanto isso. Continuará a existir Portugal para além da bola e é bom que exista cada vez mais. De qualquer modo, o país deve estar grato aos Figos, aos Ronaldos e aos Mourinhos O nome deles leva o nome do país muito mais longe. E, bem a propósito, obrigado Eusébio por seres o rei que começou esta odisseia.

Artigo publicado a 7/01/2014 no Açoriano Oriental

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

A Rainha

Em Ciência Política, quando são estudados os sistemas de governo parlamentaristas, as fracas competências atribuídas ao Chefe de Estado determinam que este tenha um papel sobretudo simbólico. Decorativo até. E o exemplo por excelência é o da Rainha de Inglaterra. Figura conhecida de todos, mas com pouco poder na governação efetiva do país. O sistema semi-presidencial (ou semi-parlamentar, é discutível) assumido na nossa Constituição determina que o Presidente da República tenha de facto um papel central no normal funcionamento das instituições. Deve ser um garante da constitucionalidade, um contrapeso/fiscalizador político do Governo, entre outras dimensões. Ora, pelos vistos, mais do que um presidente, temos tido em Portugal uma rainha. Ou pelo menos um Cavaco muito empenhado em parecer-se com a Rainha de Inglaterra.

Com certeza motivado pelas suas intervenções de fundo terem sido catastróficas, o nosso reformado preferido parece estar muito confortável neste seu papel decorativo. Escaldado por tristes episódios como o perigoso estatuto dos Açores ou a plantação de notícias pelo seu sempre fiel Duarte Lima, Cavaco resguarda-se agora neste papel, tipicamente monárquico, de garante da unidade da nação. Os seus insistentes apelos ao consenso político e os seus fretes ao Governo em funções, custe o que custar, demonstram bem este seu desejo de pertença à realeza.

Todo este processo seria deveras engraçado se dele resultassem apenas estes exercícios divertidos de caracterização do Sr. Silva. Haverá personagem da política portuguesa e arredores que mais se presta a estes divertidos exercícios? Tenho dúvidas. Cavaco é, neste sentido, o rei (ou a rainha, se preferirem) dos caricaturáveis. E continuará a sê-lo, está visto.

O problemazito à volta desta tendência de Cavaco é que o país paga caro estas suas graçolas. A falta de vontade em exercer o seu poder de fiscalização da constitucionalidade sai caro ao país e tem sido uma ameaça incomportável para os Portugueses. O auto-anulamento da função presidencial, no momento em que o país mais precisava do seu poder fiscalizador, do seu papel de importante frei e contrapeso, é um ato que chega a ser criminoso e não pode deixar de ser denunciado.

Cavaco até pode intimamente desejar ser a Rainha de Inglaterra (Oops, não resisti a caricaturar…), até pode não se incomodar em ser recordado como o cão de loiça que passou por Belém (Oops, caricaturei outra vez), mas o país não pode deixar incólumes estas suas estranhas tendências. Não sendo possível uma descavaquização de Cavaco, resta-nos defender um descavaquização urgente do Palácio de Belém.

Artigo publicado sexta-feira no Esquerda.net