segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

A Rainha

Em Ciência Política, quando são estudados os sistemas de governo parlamentaristas, as fracas competências atribuídas ao Chefe de Estado determinam que este tenha um papel sobretudo simbólico. Decorativo até. E o exemplo por excelência é o da Rainha de Inglaterra. Figura conhecida de todos, mas com pouco poder na governação efetiva do país. O sistema semi-presidencial (ou semi-parlamentar, é discutível) assumido na nossa Constituição determina que o Presidente da República tenha de facto um papel central no normal funcionamento das instituições. Deve ser um garante da constitucionalidade, um contrapeso/fiscalizador político do Governo, entre outras dimensões. Ora, pelos vistos, mais do que um presidente, temos tido em Portugal uma rainha. Ou pelo menos um Cavaco muito empenhado em parecer-se com a Rainha de Inglaterra.

Com certeza motivado pelas suas intervenções de fundo terem sido catastróficas, o nosso reformado preferido parece estar muito confortável neste seu papel decorativo. Escaldado por tristes episódios como o perigoso estatuto dos Açores ou a plantação de notícias pelo seu sempre fiel Duarte Lima, Cavaco resguarda-se agora neste papel, tipicamente monárquico, de garante da unidade da nação. Os seus insistentes apelos ao consenso político e os seus fretes ao Governo em funções, custe o que custar, demonstram bem este seu desejo de pertença à realeza.

Todo este processo seria deveras engraçado se dele resultassem apenas estes exercícios divertidos de caracterização do Sr. Silva. Haverá personagem da política portuguesa e arredores que mais se presta a estes divertidos exercícios? Tenho dúvidas. Cavaco é, neste sentido, o rei (ou a rainha, se preferirem) dos caricaturáveis. E continuará a sê-lo, está visto.

O problemazito à volta desta tendência de Cavaco é que o país paga caro estas suas graçolas. A falta de vontade em exercer o seu poder de fiscalização da constitucionalidade sai caro ao país e tem sido uma ameaça incomportável para os Portugueses. O auto-anulamento da função presidencial, no momento em que o país mais precisava do seu poder fiscalizador, do seu papel de importante frei e contrapeso, é um ato que chega a ser criminoso e não pode deixar de ser denunciado.

Cavaco até pode intimamente desejar ser a Rainha de Inglaterra (Oops, não resisti a caricaturar…), até pode não se incomodar em ser recordado como o cão de loiça que passou por Belém (Oops, caricaturei outra vez), mas o país não pode deixar incólumes estas suas estranhas tendências. Não sendo possível uma descavaquização de Cavaco, resta-nos defender um descavaquização urgente do Palácio de Belém.

Artigo publicado sexta-feira no Esquerda.net

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