terça-feira, 2 de setembro de 2014

Guerra na Europa

Tivemos direito a pouca silly season durante este Verão. Entre uma série de acontecimentos nacionais e internacionais, a tensão e o conflito na Ucrânia fizeram-nos recordar que as bombas não estão apenas noutras paragens do Mundo. Em plena Europa, a tensão com uma grande potência externa – a Rússia – está em curso, numa escalada que continua a parecer-nos ainda inacreditável.

Para quem está no extremo ocidental da Europa, como é o caso de Portugal, a Ucrânia parece-nos algo ainda bastante remoto. Um país distante que associámos mais à esfera do Leste Europeu pós-soviético, do que propriamente à Europa da União Europeia com a qual já nos fomos aos poucos familiarizando. Um país longínquo com uma comunidade imigrante significativa em Portugal, que por vezes nos brinda com acontecimentos de grande instabilidade política, mas nada que nos tenha ainda tirado o sono.

No entanto, um olhar minimamente atento faz-nos perceber que a Ucrânia é não apenas um país que faz fronteira com diversos Estados-Membros europeus (Polónia, Eslováquia, Hungria e Roménia), mas é também um país sobre o qual há muito se especula uma eventual adesão futura à União Europeia. Os acordos de parceria comercial assinados no primeiro semestre deste ano demonstram essa proximidade, algo que tem naturalmente sido encarado com grande incómodo por Moscovo.

Importa sublinhar que o que agora se passa na Ucrânia não pode ser abordado de forma maniqueísta. Os separatistas pró-Rússia já demonstraram que estão longe ser “combatentes da liberdade”. Por seu turno, o Governo Ucraniano em funções tem um compromisso muito duvidoso com a liberdade e com a transparência. Um Governo que integra forças políticas com contornos bastante mafiosos, xenófobos e anti-democráticos. Neste sentido, o branqueamento que a União Europeia têm feito de tal facto coloca-a em terrenos bastante perigosos.

Mas o conflito que começa a assumir contornos de guerra no Leste da Ucrânia é muito mais do que algo preocupante. Para além de se tratar de um abalo na política futura de alargamento da União Europeia (algo não muito crítico, apesar de tudo), representa o mais sério aviso da Rússia à União Europeia das últimas décadas. Um aviso de que não vai continuar a tolerar a diminuição da sua esfera de influência e de que está disposta a entrar na “diplomacia armada” se e quando necessário. As reações de Putin ao anúncio de sanções da União Europeia, acenando com o facto da Rússia ser uma potência nuclear, entram já num novo patamar de bluff diplomático.

Se tivermos em conta que a Rússia possui fronteiras com cinco países da UE (Finlândia, Estónia, Letónia, Lituânia e Polónia), que continua a ser pejorativamente conhecida pelos mesmos como o nosso “ grande vizinho de leste”, e de que é atualmente liderada por um louco nacionalista ao estilo dos velhos tempos, ficámos com a clara noção de que alguns fantasmas da Guerra Fria continuam a fazer sentido.

O conflito na Ucrânia pode já ser visto como o regresso da Guerra aos palcos europeus e deve levar a União Europeia a refletir melhor sobre o papel que tem e quer ter nos domínios da política externa. Alguns avisos à navegação podem já ser considerados. Por um lado, a União Europeia tem de ser muito mais exigente nos apoios internacionais que concede, sendo lamentável o abraço ao atual Governo Ucraniano. Por outro lado, eis mais um sério exemplo de que o grande projeto europeu necessita de ser melhor consolidado em termos políticos. Os receios de soluções federalistas têm resultado sempre numa Europa com várias cabeças, pouco eficiente e pouco democrática, nomeadamente no que à política externa diz respeito.

Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental

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