Depois de andar a assobiar para o lado durante mais de um ano, Cavaco surge agora com um discurso decidido sobre os problemas do país. Sobre os problemas e sobre o que deve ser feito para os ultrapassar. Nas palavras do Presidente que pelos vistos acabou de acordar, todos os esforços devem ser concentrados no crescimento da economia (jura!?). Afirmou igualmente que a espiral de recessão torna o equilíbrio das contas públicas difícil de alcançar (a sério??), sublinhando agora que a receita de austeridade do Governo falhou (quem diria?!). Confessou mesmo ter “fundadas dúvidas” sobre a “repartição dos sacrifícios” (ui...).
No que a este acordar do Presidente diz respeito, não deixa de ser impressionante o tom de evidência agora utilizado. É a chamada “evidência à posteriori”, tão na moda nos tempos que correm em alguns quadrantes políticos. O que ontem eram considerados puros devaneios da esquerda radical, são hoje evidências repetidas de forma veemente, procurando fazer esquecer o que ainda ontem se afirmava a pés juntos.
Mas é ainda mais curioso que, tendo dúvidas sobre a constitucionalidade de algumas das normas previstas, Cavaco promulgue e envie de seguida o Orçamento para o Tribunal Constitucional. O ato de promulgar do Presidente da República exige concordância com o diploma em questão. Pressupõe que não existem dúvidas sobre a constitucionalidade da norma, razão pela qual o nosso sistema constitucional prevê que o Chefe de Estado funcione como fiscalizador do cumprimento da lei fundamental antes da publicação dos diplomas. Assim sendo, a solução encontrada por Cavaco, estranhamente considerada como inteligente e ponderada por alguns, revela-se uma jogatana que chega a ultrajar as competências atribuídas ao Presidente da República no nosso sistema político. Ao aprovar e pedir de seguida a fiscalização sucessiva da constitucionalidade, Cavaco abdicou dos poderes que lhe são atribuídos no decurso normal do processo legislativo. E fê-lo agarrando no minuto seguinte uma solução que deve ser utilizada caso a fiscalização da constitucionalidade tenha sido erradamente dispensada antes da entrada em vigor do diploma. Ou seja, ao utilizar a fiscalização sucessiva da constitucionalidade, Cavaco está a assumir formalmente a sua própria incompetência.
Por todas estas e com certeza muitas outras razões, devemos ter sinceras dúvidas sobre se este súbito acordar do Cavaco é ou não uma boa notícia. A dormir, o senhor é perigoso. Mas acordado, pode ser ainda pior.
Artigo publicado ontem no Esquerda.net
(Imagem: Depois Falamos)
Sem comentários:
Enviar um comentário