Para além da natural preocupação como todos aqueles que perderam o seu trabalho, e do empobrecimento cultural que o referido passo significa para diversas cidades do país, o encerramento das 49 salas de cinema Castello Lopes leva-nos a questionar se tal é o prenúncio do fim de um tempo. O tempo dourado das salas de cinema, em que íamos alegremente ver filmes em grandes ecrãs conjuntamente com algumas dezenas de pessoas, numa sala escura com a natural magia associada. Depois dos videoclubes, parece ter chegado a vez dos cinemas não resistirem às novas formas de consumo de filmes, hoje alegremente descarregados em casa através dos serviços do operador de TV Cabo ou do programa de partilha de ficheiros lá de casa.
Sim, acho que faço parte daquela tribo cada vez maior que gosta de experimentar o último gadget, a última funcionalidade, o último novo serviço. Chega a ser infantil, mas é um vício difícil de contrariar. Daqueles que olha com limitada nostalgia os velhos hábitos de consumo e abraça desalmadamente as maravilhas dos amanhãs que parecem estar aí ao virar da esquina. Há uns anos, era um ritual saboroso comprar o jornal de manhã no quiosque da esquina e levá-lo a ler no autocarro. Hoje, o meu ritual santo é descarregar o jornal para o smartphone e levá-lo a ler no metro. Há uns anos, era um ritual ir comprar o CD da última grande novidade que tinha visto na MTV. Hoje o ritual pode ser descarregar o álbum que ouvi e gostei de manhã na rádio.
Os tempos mudam, os rituais mudam e o simbolismo é aquele que quisermos atribuir a cada ato. Não é por isso a nostalgia de um eventual fim de um tempo que nos deve tirar o sono, mas sim as dinâmicas que envolvem o que agora se está a passar. Por um lado, a famigerada crise que conseguiu criar ainda mais dificuldades aos setores da cultura. As pessoas têm de contrair o seu consumo e fazem-no prescindindo do que lhes parece menos crítico. Infelizmente, as salas de cinema é apenas mais um dos setores que está a sofrer com tal dinâmica. Por outro lado, os encerramentos de salas de cinema e a ainda maior concentração do mercado de cinema em Portugal num único operador deve gerar, no mínimo, um sério desconforto. A diminuição da diversidade dos filmes que são expostos e o quanto tal pode limitar o acesso à cultura pelos cidadãos não pode ser encarado como um mero pormenor.
Parece-me que estão-nos já a ser mostrados os trailers de dois filmes distintos: ou se consegue alguma intervenção pública para equilibrar o setor da exibição de filmes em Portugal ou então o mercado já escolheu o caminho que pretende prosseguir. Será esta uma oportunidade para as entidades públicas locais assumirem a responsabilidade de impulsionar a exibição de cinema na sua localidade? Se assim fosse, critérios que não a simples receita comercial poderiam voltar a vingar. Se calhar abrir-se-ia até a possibilidade de recuperar as dinâmicas de acesso a cinema diversificado que aos poucos desapareceram com o encerramento de salas independentes nos últimos anos. Porque não?
Já temos acesso aos traillers. Resta-nos escolher o filme que queremos ver.
Artigo hoje publicado no Esquerda.net
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