Quem os viu e quem os vê… É sempre interessante ver a capacidade que as sucessivas lideranças do PS têm de inverter posições, de mitigar posicionamentos passados, de se adaptarem ao sabor das circunstâncias. Somos sempre brindados com a típica esquizofrenia de um partido 100% focado no poder. Temos um determinado PS quando está no Governo e um PS totalmente diferente quando está na oposição. Nada de novo, é mesmo assim, toda a gente sabe-o. E parece que já nem há grande vontade em disfarçar.
No momento atual, com um Governo totalmente desorientado e cada vez menos credível aos olhos dos mais insuspeitos setores, o PS surge rapidamente como o grande salvador da Pátria. Torna-se rapidamente o campeão da renegociação da dívida, o grande ideólogo do “basta de austeridade” e o grande oponente da malvada troika. Temos de repente um PS equerdalho, com o keynesianismo na ponta da língua e com o cravo na lapela. Um PS inconformado, indignado, a grandolar e pronto para fazer a luta. Um PS do 25 de Abril, do 1º de Maio, aos abraços com os sindicatos e jurando lutar por amanhãs que cantam.
Esta romanceação do seu papel presente, assente num branqueamento do que até há pouco tempo defendia, é uma espécie de “Life of Pi”, com o argumento devidamente adaptado. Na história agora contada, não foi o PS que trouxe a troika para Portugal e que assinou o memorando de atendimento. Pelo contrário, o PS nunca teve nada a ver com isso. Na história agora contada, o PS também nunca defendeu a austeridade como mal necessário. Pelo contrário, os socialistas sempre se opuseram a este caminho. A sucessão de PECs que caraterizou o fim do governo de Sócrates foi apenas uma forma de, no fundo, evitar a austeridade (impondo austeridade). Na história agora contada, o PS também sempre defendeu a renegociação da dívida. Aliás, a expressão “calote” para qualificar a renegociação nunca foi utilizada por Sócrates há dois anos atrás. Nada disso! O PS sempre foi pela renegociação, pelo fim da austeridade e por uma política de crescimento.
Como partido tipicamente de poder, o PS tem esta incrível capacidade de romancear e tornar fantástico o seu percurso. Para quê contentar-se com a realidade quando podermos ter a fantasia? Para quê manter na nossa memória episódios tristes quando podemos facilmente colorí-los, contorná-los ou até esquecê-los? No “Life of Pi”, o protagonista fantasia para esquecer uma tragédia ocorrida. Nesta “Life of PS”, os protagonistas do partido entram numa espécie de delírio coletivo para escamotear as suas responsabilidades na situação atual. Porque não? Tirando o facto de pretenderem com isso passar um atestado de estupidez a todos os portugueses, não há problema nenhum…
Artigo hoje publicado no Esquerda.net
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