Sejamos claros: ninguém gosta de sentir na pele os efeitos de uma greve. Não é naturalmente agradável ver o lixo acumular nas ruas por causa das greves dos profissionais da recolha do lixo. É terrível ficar sem transportes públicos quando deles dependemos para ir trabalhar. E é um horror apanhar uma greve na saúde no dia em que, após meses, finalmente temos a nossa consulta. As greves são sempre desagradáveis, criam sempre mossa e, em última análise, prejudicam sempre os utentes de determinado serviço. Porventura até prejudicam mais diretamente os utentes de determinado serviço do que os responsáveis que os trabalhadores pretendem atingir. É um facto. Mas tal não lhe pode retirar valor enquanto instrumento de participação coletiva nas políticas do trabalho. A greve é um dos mais basilares direitos democráticos precisamente por constituir o último recurso disponível para os trabalhadores fazerem valer o seu ponto de vista, numa relação de forças desigual com o empregador.
É neste contexto, e com base nos pressupostos acima, que podemos avaliar a greve realizada pelos professores na semana passada. O facto de ocorrer num dia de exames nacionais foi uma opção com diversos riscos. Nomeadamente por prejudicar fortemente os estudantes que com tanto empenho se prepararam para aquele dia tão "especial". Não haja dúvidas a este respeito. E estranho seria também não ter em consideração que tal facto não é indiferente aos professores, que viram assim os seus alunos serem apanhados no meio de um um "conflito" profissional.
Mas na análise deste caso em concreto, importa não esquecer duas questões. Por um lado, e em linha com com o referido acima, as greves não são feitas para poderem passar despercebidas. Não são feitas para serem convenientes e para poderem ser aplaudidas. Por isso mesmo não se realizam aos fins-de-semana ou aos feriados. Por outro lado, e como foi claríssimo ao longo dos dias que antecederam a greve, o Ministro da Educação teve todas as condições para poder adiar o dia de exames. Livraria assim os estudantes da incerteza que antecedeu a greve e das irregularidades verificadas no próprio dia. O ministro preferiu entrar num braço-de-ferro cujo resultado não poderia ser outro. Mais comentários para quê?
A greve geral desta quinta-feira será mais um importante momento de defesa de condições e de dignidade no trabalho. Perante um cenário de ataque em que o Governo insiste em fazer crer que o problema do país é vivermos acima das nossas possibilidades, a greve surge como uma resposta mais do que legitima de quem tem visto o seu salário, o seu poder de compra e os seus direitos serem reduzidos drasticamente. O entendimento das duas centrais sindicais é aliás elucidativo a este respeito. Todos os que trabalham têm assim a oportunidade de mostrar na próxima quinta-feira que não estão dispostos a assistir impávidos a este assalto descarado aos seus direitos. Sobretudo numa altura em que já ninguém acredita neste tipo de receita.
Não é naturalmente fácil, numa situação como a atual, aderir a uma greve e prescindir assim de um dia de salário. Importa não esquecer este pormenor tantas vezes minimizado. Quem adere a uma greve perde de facto o dia de salário. São portanto anedóticas as críticas de que aderir a uma greve é algo fácil e egoísta até. Resta portanto esperar que quinta-feira possa ser um importante dia de apresentação de um grande cartão vermelho a este governo e às suas políticas. Não teremos certamente uma adesão estrondosa. Portugal não tem um histórico famoso a este respeito. Mas será certamente mais um importante dia de oposição a uma política cujos resultados dramáticos estão à vista. Haverá alguém que não esteja convocado?
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
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