Estou muito contente que o presente Governo mantenha-se em funções. Como blogger e como cidadão que aqui partilha as duas ideias quinzenalmente, a manutenção em funções deste governo é uma maravilha. É o garante da existência de matéria-prima, regular, pronta a consumir, pronta a esmiuçar, capaz de fazer brilhar qualquer cronista ou comentador. Aliás, acredito que a manutenção em funções deste governo deve ter sido também alegremente recebida pelo mundo do humorismo em Portugal. Ricardos Araújos Pereiras e Brunos Nogueiras terão assim sempre episódios diários para caricaturar nas suas crónicas na rádio. As Quadraturas do Circulo, os Eixos do Mal e os Governos Sombra adorarão também comentar as aventuras e desventuras do presente Executivo. Neste universo de programas e publicações que vivem do comentário político, apenas temo pelo Inimigo Público. É que a realidade corre o risco de ultrapassar a imaginação da redação deste suplemento satírico do jornal Público.
Falando um pouco mais a sério, todas as condições parecem agora reunidas para que este Governo seja muito semelhante aos 6 meses de Santana Lopes ao leme do país. Com níveis de credibilidade insustentáveis, tendo perdido todas as redações de jornais e até mesmo dos comentadores que lhe são mais próximos, e com a oposição a pedir diariamente a sua saída de cena, cada passo dado será alvo de grande crítica e desconfiança até. Se até agora o rumo político era questionado, não serão com certeza as ligeiras mudanças agora prometidas que amenizarão a situação. Pelo contrário, os níveis de impaciência agudizar-se-ão.
No entanto, como é evidente, é sobretudo a desconfiança e a falta de credibilidade perante os cidadãos que maiores obstáculos criarão ao presente Governo. Se até há pouco, apesar da insatisfação, uma maioria ainda embarcava no discurso do consenso, da responsabilidade e do “esforço patriótico”, tudo parece ter-se esvoaçado na última semana. A triste novela trágico-cómica oferecida ao país encarregou-se de demonstrar a vacuidade deste discurso vindo da atual maioria governamental. A birra e o troca-tintismo de Portas demonstrou a falta de verticalidade de que é feito. Mas Passou Coelho sai também tremendamente fragilizado desta sequela de episódios. Surge como aquele que cedeu, que segurou com todas as suas forças o parceiro que com ele já não queria dançar o tango.
Há pouco tempo atrás, escrevi aqui que a grande mudança no atual ciclo político na surgiria quando as pessoas percebessem que o custo de manter este Governo é maior do que o custo da mudança através de eleições antecipadas. Este momento de viragem parece ter sido alcançado. A desconfiança perante o atual Executivo é tão grande que uma quase maioria dos cidadãos prefere arriscar a mudança, mesmo tendo em conta os tempos complicados em que estamos. Apesar de tal cenário acarretar subidas de ratings, pressões fortíssimas e críticas dos credores e dos parceiros europeus, entre muitas outros inconvenientes, a opinião pública começa a perceber que vale a pena correr o risco da mudança. Neste sentido é inevitável sublinhar este verdadeiro feito da dupla Passos-Portas. Mesmo num contexto tão pouco propício a mudanças e com um eleitorado que não é conhecido por ser particularmente volátil, conseguiram gerar uma vaga de fundo a exigir eleições o mais cedo possível.
Continuam naturalmente a existir opiniões diversas sobre o rumo que o país deve seguir. E ainda bem que assim é. Mas surge agora a certeza de que não só não vamos lá com esta política, como a certeza de que a manutenção deste Governo constitui um risco tremendo para Portugal. A silly season já é difícil de suportar. Suportar um silly government constitui um esforço acima das possibilidades do país.
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
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