sexta-feira, 8 de novembro de 2013

A Greve serve para quê

É extraordinário que, mesmo com os piores cortes de que há memória, mesmo com os piores ataques aos direitos dos cidadãos, se continue a questionar o porquê de se fazer greve. Embora com menor intensidade do que noutros tempos, continuamos a ouvir coisas como “adianta para quê?”, “mudará o quê?”, “serve para quê”? Trocado por miúdos, antes ouvíamos que quem fazia greve eram os malandros que queriam ficar um dia em casa e/ou gozar um fim de semana prolongado. Depois quando se começou a perceber que a greve envolve um esforço financeiro grande de quem a ela adere, o argumento para não a fazer passou a ser a sua eficácia. Ou seja, qual a relação direta entre fazer greve e as coisas efetivamente mudarem?

Para esta evolução no questionamento da eficácia da greve, não devemos minimizar o já referido acima: o esforço financeiro de quem a faz. Abdicar, num momento como o atual, de um dia de salário, representa de facto um sacrifício grande. É portanto normal que a relação esforço-retorno seja neste momento questionada. E embora a questão da solidariedade não possa ser minimizada quando ponderamos aderir a este tipo de ação coletiva, há que naturalmente respeitar quem não se sente em condições de aderir.

Mas focando na questão da eficácia do nosso ato político, importa relembrar os mais céticos ou descrentes que a reduzida relação de causalidade entre fazer greve e as coisas efetivamente mudarem não é um exclusivo desta forma de participação política. Pelo contrário. Ao assumir-se este ponto de vista, a grande maioria dos atos individuais de participação cívica têm uma relação de causalidade ínfima na mudança dos acontecimentos. Será que um abaixo-assinado ou uma petição possuem uma eficácia grande? E a participação num protesto de rua? E uma carta ao Provedor de Justiça? E o envolvimento num movimento de cidadãos?

Em última análise, tal como diversos estudos problematizam e demonstram há muito, o próprio ato individual de votar possui uma relação de causalidade na mudança muito reduzida. Qual a probabilidade do meu sentido de voto influenciar de facto um resultado a nível nacional? Uma probabilidade ínfima, com certeza.

Mas a democracia é feita destes aparentes paradoxos. Se a participação política assentasse apenas na probabilidade dos meus atos individuais efetivamente influenciarem a mudança a nível local, regional ou internacional, com certeza não teríamos qualquer participação. Para além do puro cálculo da causa-efeito, a democracia assenta em componentes de solidariedade coletiva e componentes emocionais dificilmente contornáveis. Ou seja, eu participo porque considero a participação um valor em si mesmo, uma forma de comprometimento com a comunidade e com o mundo que me envolve, um compromisso de verticalidade pessoal, entre outras dimensões.

Aderir a uma greve em muito pouco difere dos restantes mecanismos de participação. Para lá do cálculo esforço-retorno, assume-se sobretudo como uma forma de ação coletiva solidária, como um statement político de vontade de mudança. Quem a faz está tipicamente comprometido com a necessidade de participar, de dizer de sua justiça, de mostrar a sua indignação. A democracia nunca foi feita de cálculos de esforço e eficácia. A democracia é feita de democratas.

Artigo publicado no Esquerda.net

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