sexta-feira, 27 de abril de 2012

O Bloco do Miguel


Escrever sobre o contributo de alguém que nos acabou de deixar não é com certeza uma tarefa fácil. E não o é ainda mais quando esse alguém é nada mais e nada menos do que o Miguel Portas, consensualmente reconhecido como uma das figuras mais marcantes da esquerda portuguesa dos últimos anos. De qualquer modo, parece-me fácil encontrar uma palavra para o definir: lucidez. Em quem lia, ouvia e acompanhava expectante as sua intervenções, a sua aguçada lucidez até feria. 

 Privei pouco com o Miguel. Mas tal não impede que sobre ele tivesse uma tremenda admiração. Via-se que tinha uma paixão imensa pelo mundo e pela sua diversidade. Por um mundo que não era plano, que estava em permanente mudança, repleto de contradições, incertezas e injustiças, mas no qual valia a pena viver. E viver para poder compreendê-lo, conhecê-lo e sobre ele conseguir intervir. E intervir à esquerda, sabendo que não se consegue mudá-lo do dia para a noite, mas procurando torná-lo mais livre, mais justo, um sítio muito melhor para todos os que cá estão.  

Sendo o Bloco uma invejável confluência de várias visões, cada qual com inúmeras qualidades, julgo que ao Miguel Portas fica associada uma permanente vontade do partido se reinventar. De não cair em dogmatismos, de fugir da cristalização, encontrando sempre no debate e na contradição uma forma de se renovar e de melhor responder aos desafios de um mundo em constante mudança. O Miguel personalizava essa esquerda inconformada, pouco permeável a maniqueísmos na análise da realidade e ao mesmo tempo inabalável na vontade de fazer diferente. Uma esquerda sedenta de viver, sedenta de diversidade, com vontade incessante de ouvir vozes diferentes, visões e perspetivas diversas que lhe permitam questionar-se a si própria e assim melhor orientar a sua ação. 

 É um orgulho fazer parte e contribuir para este projeto político em que o Miguel tanto acreditou. E embora tendo a certeza que a sua política estava muito longe de se cingir ao universo partidário (seria extremamente redutor se assim fosse), é bom sentir no Bloco o seu importante contributo para esta esquerda arejada que não desiste de fazer o mundo melhor. Obrigado, Miguel, e até sempre. 

 Artigo hoje publicado no Esquerda.net

quarta-feira, 25 de abril de 2012

A escola do Miguel


Estive poucas vezes com o Miguel Portas, é um facto. Mas não hesito em dizer que foi a sua escola política, que não se limita à sua pessoa, que mais me inspirou nos últimos anos. Escola essa que, longe de quaisquer idolatrias, conseguia encontrar no Miguel uma lucidez que até feria.

E que escola é essa do Miguel? Uma escola da esquerda permanentemente inconformada com os destinos do mundo. Sem dogmas e em luta permanente contra a cristalização, que consegue aliar a forte vontade de mudança com a certeza de que a própria mudança tem de ser constantemente reinventada. Porque o mundo não pára de girar e as dinâmicas sociais e políticas não cessam de evoluir. A escola do Miguel consegue fazer essa ponte entre a certeza de um mundo em permanente mutação e a vontade não relativizável de sobre ele intervir à esquerda, tornando-o mais livre, mais justo, com espaço para todos.

E julgo que a expressão "fazer a ponte" aplica-se particularmente bem ao Miguel. Porque enquanto crente acérrimo do debate, era também dos mais incansáveis defensores de convergências. Nomeadamente nesta esquerda portuguesa sempre tão empenhada em agir de costas voltadas.

O Miguel Portas é com toda a certeza uma das figuras mais marcantes da esquerda portuguesa dos últimos anos. A partida de alguém como ele deixa sempre um vazio. Felizmente as pessoas grandes têm essa capacidade de inspirar e deixar escolas.

25 de Abril

Foi um 25 de Abril molhado, Mas descer a Avenida para comemorar a liberdade, a igualdade, a democracia e o ideal de justiça social é algo que dispensa adjetivações. A democracia faz-se também na afirmação clara de valores e o  25 de Abril tem de facto essa capacidade de nos recordar que vale sempre a pena lutar por um mundo melhor.

domingo, 22 de abril de 2012

De olhos postos em França


Como tem sido dito, nestas eleições francesas joga-se também a possibilidade de começar a reequilibrar politicamente a Europa. Que vença Hollande e que Mélenchon obtenha um bom resultado (se possível acima de Le Penn). A vitória da esquerda em França não vai mudar a Europa. Mas poderá ser um contributo importante para que novas perspetivas se abram sobre a forma como a Europa se posiciona perante a crise.
(Imagem: MediaBeNews)

sábado, 21 de abril de 2012

Dar a volta à Austeridade


Embarcando num voo com destino a Copenhaga, verifico que o Ministro Paulo Macedo senta-se duas filas à minha frente. O facto de podermos ver hoje ministros e deputados a viajar em turística é provavelmente das únicas coisas boas deste cenário de austeridade. No entanto, ia o voo o meio e já não vejo Paulo Macedo onde antes o encontrara. No fim do voo, quando saio do avião, encontro o ministro sentado em executiva. 

Não sei naturalmente se pagou a diferença ou se foi simplesmente convidado pela tripulação do voo para se mudar para executiva. Não faço ideia. Mas é sempre bom saber que alguns conseguem dar a volta à austeridade...

(Imagem: The Lancet)

Os Guineenses merecem melhor


A instabilidade política da Guiné Bissau dura há muitos anos. O cenário tem sido desalador:  golpes, contra-golpes, assassinatos políticos (e.g. Nino Vieira, Assumane Mané), altas patentes militares envolvidas no tráfico de droga que vem da América Latina, senhores das armas que mandam e tomam conta do poder político. Os guineenses merecem mais do que isto. Qualquer povo merece mais do que isto.

terça-feira, 17 de abril de 2012

É a ideologia, estúpido!

As ideologias continuam a desempenhar um papel importante no enquadramento do combate político nos países democráticos. Podem naturalmente apresentar-se de forma mais ténue do que o desejável, sobretudo no centro político, mas continuam a orientar de algum modo o discurso e a acção política. E em momentos de crise como os actuais, em que opções diversas têm de ser tomadas, a ideologia ganha uma nova centralidade. No entanto, como é evidente, os actores políticos não assumem desde logo a dimensão ideológica das suas acções. Apresentam-nas, pelo contrário, orientadas por critérios de eficiência, de harmonização, de justiça ou de melhoria das condições para os cidadãos, por exemplo.

Neste sentido, tem sido particularmente interessante verificar como o actual Executivo tem conseguido aplicar toda uma agenda de reformas profundamente ideológicas nos mais diversos setores. A ideologia liberal é latente quando se procura, por exemplo, fazer recuar o Estado na esfera económica ou quando se flexibiliza ainda mais o mercado de trabalho. A aplicação de uma agenda profundamente liberal como forma de combate à crise é hoje algo que o próprio Governo nem se esforça por esconder. Mas é também a ideologia de uma direita conservadora que muito se faz sentir por estes dias em algumas áreas da governação. A este respeito, o setor da segurança social é particulamente rico para analisar esta questão.

Numa semana, conseguimos ver Pedro Mota Soares a anunciar poupanças radicais no rendimento social de inserção (RSI), ao mesmo tempo que garantia que não iria mexer nos apoios à maternidade e que ia subir os apoios aos idosos. Trocado por miúdos, nada como aproveitar a crise para dar umas valentes machadadas no famigerado RSI, que só alimenta preguiçosos e delinquentes. Mas como bom homem de direita, o ministro não se cansa de apoiar a maternidade, defendendo assim a nobre família portuguesa. Nada também como apoiar os idosos, eleitorado potencialmente mais conservador e que consegue encontrar nesta direita do CDS alguns dos valores tradicionais que lhe são mais familiares. Claro que não se trata aqui de criticar o apoio à maternidade ou aos idosos, mas sim de descodificar o caráter ideológico das referidas opções.

E bem a propósito, nesta linha do conservadorismo político puro, foi também curioso ver Passos Coelho no Congresso do PSD Açores a falar na necessidade de “alterar estruturas económicas, políticas a sociais para que privilégios insjustificáveis não voltem a reposicionar-se na nossa sociedade”. O líder do PSD concretiza então dizendo que estas “estruturas perduraram ao longo de muitos anos e que mantiveram muitas vezes as pessoas na dependência do Estado e na pobreza. Dependentes, desde a criação de algumas prestações, da esmola que o Estado lhes dá.” Ou seja, o corte no RSI volta assim a ganhar destaque neste discurso do primeiro ministro.

Nesta linha do conservadorismo que utiliza a crise como alibi para acabar com alguns “desmandos sociais”, pouco depois do Governo tomar posse, também assistimos ao fim da comparticipação estatal na venda da pílula. Qualquer dia, temos este Executivo a querer acabar com as interrupções voluntárias da gravidez, ou com as aulas de educação sexual nas escolas, com o argumento de que temos de apertar o cinto... A crise é um momento onde a ideologia se faz sentir com particular intensidade. Não há mal nenhum nisso. Importa, no entanto, que os cidadãos saibam descodificar aquilo que lhes está a ser apresentado.

Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental

domingo, 15 de abril de 2012

Real Parlermice


Não fosse a sua queda e provavelmente nunca se saberia que o monarca espanhol andava por terras do Botswana a caçar elefantes. Monarca que é monarca tem de andar nestas coisas da caça... Uma notícia que deve naturalmente envergonhar a casa real espanhola.

sábado, 14 de abril de 2012

A Verdade da Mentira




A relação da política com a verdade sempre foi bastante atribulada. Dependendo o poder, democrático ou não, de algum de apoio popular, o discurso político sempre foi particularmente permeável à meia verdade. Não é por acaso que o termo “demagogia” tem a sua origem, tal como os termos “política” ou “democracia”, na Grécia Clássica. No entanto, esta difícil relação da política com a verdade não é absolutamente estanque ou imutável. Existem altos e baixos, com períodos em que a mesma se faz sentir de forma particularmente crítica e outros em que a mesma parece mais pacífica. O momento que atualmente vivenciamos é com certeza um dos mais críticos de que há memória na democracia Portuguesa.

De facto, parece que todos os limites de falta de verdade na política são regularmente ultrapassados. Os exemplos surgem-nos a um ritmo impressionante. E já nem é preciso recordar que Passos Coelho foi eleito com o discurso de que poderíamos equilibrar o défice cortando apenas nas gorduras do Estado. Esse discurso já lá vai há muito. Podemos pegar em casos bastante mais recentes. Numa semana, por exemplo, tivemos oportunidade de perceber que afinal os dois salários retirados aos funcionários públicos nunca serão repostos na íntegra antes de 2016. Dos dois anos de penitência inicialmente previstos, passámos num piscar de olhos para um mínimo de quatro anos. Esta questão não tinha sequer arrefecido e surgiu o congelamento secreto das reformas antecipadas. Curiosamente, pior do que o gesto de congelar e de forma secreta, foi a justificação avançada pelo Governo e pelo próprio Presidente da República de que se tratou de uma questão de “interesse nacional”.

O cumprimento ou não de uma promessa ou compromisso político passou a ser um detalhe no contexto atual. E torna-se particularmente lamentável constatar que os cidadãos já nem esperam outra coisa que não as mentiras. Parecem já não querer perder tempo a chatear-se com mais uma mentira do Governo. Embarca-se assim num perigoso estado de alheamento face ao que se está a passar, algures entre o fado, a resignação e a revolta interior contra tudo e contra todos.

Não querendo recorrer a jargões excessivos, a confiança mínima dos cidadãos nos responsáveis políticos é fundamental para o funcionamento da democracia. Se se assume que a verdade é um mero detalhe e que os cidadãos por vezes não estão à altura da verdade, é porque se entende a democracia como algo que pode ser suspenso por uns tempos em nome do “interesse nacional”. É um bocadinho grave, portanto.

Artigo publicado no Esquerda.net

terça-feira, 10 de abril de 2012

E você, compraria um carro usado a este primeiro-ministro?


É difícil encontrar palavras para qualificar o efeito surpresa hoje assumido por Passos Coelho sobre o anúncio das reformas antecipadas. Mas o episódio representa sobretudo mais um rombo na confiança que os cidadãos poderão ter na atuação governativa. Qual o valor da palavra de um governante quando este assume preto no branco que este tipo de surpresas são perfeitamente justificáveis?

A mais clássica questão formulada para aferir a confiança num determinado político consiste em perguntar aos cidadãos se lhe comprariam um carro usado. Seria interessante que esta pergunta fosse agora colocada aos portugueses.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Gestão de Expectativas




Há umas semanas atrás, Gaspar sossegou uma série de almas ao garantir que Portugal voltaria aos mercados em Setembro de 2013. Pouco tempo depois, demonstrando bem a seriedade com que este tipo de metas devem ser encaradas, ficámos a perceber que afinal os dois salários retirados aos funcionários públicos regressam apenas em 2015. E de forma gradual...

Avançar com datas para o fim da penitência nacional é sempre uma boa estratégia. É aquela luz ao fundo do túnel que é sempre muito bem-vinda para quem se encontra em sacrifício. Mas será que, num momento como o actual, em que não há qualquer sinal de melhoria da situação económica, em que não existe qualquer indicador que antecipe uma viragem, estas datas podem ser levadas a sério?

É impossivel saber como estará Portugal no final de 2012 ou em 2013. A situação do país depende muito pouco de qualquer atuação nacional. Assim sendo, lançar-se datas para o fim da penitência nacional mais não é do uma táctica de gestão de expectativas. Serve sobretudo para ganhar tempo, porque todos sabemos que o amanhã... O amanhã logo se verá.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Mais Política, sff


Com a má fama que o termo política há muito adquiriu, vir pedir mais política soará sempre a uma espécie de delírio. Como se já não tivessemos política que bastasse. No entanto, não querendo entrar em preciosismos académico-filosóficos, importa não esquecer que a política refere-se ao governo da polis. Haverá algo mais nobre do que discutir-se o bem comum? O problema, como é sabido, é que a luta dos atores em confronto facilmente resvala para outro tipo de discussão. Do ataque pessoal ao fait diver, do caso ao lapso, a agenda das campanhas acaba facilmente dominada pela conhecida politiquice, onde as ideias políticas mal se fazem ouvir. Infelizmente, parece ser exatamente isso que se está a passar nos Açores.

É certo que a discussão política num nível regional encerra sempre limitações estruturais. O cenário dos arquipélagos não está à margem das definições de âmbito nacional, o que limita naturalmente a margem de manobra dos governos regionais numa série de matérias. No entanto, o vasto leque de competências previsto pelas autonomias regionais assegura já que muitas opções políticas possam ser discutidas. Há de facto espaço para discussão política séria, com alternativas estruturadas e enquadradas ideológicamente. Mais à esquerda ou mais à direita, podem e devem existir visões diferentes sobre o rumo que os Açores devem seguir.

No entanto, olhando para as notícias que vão enchendo os media regionais, PS e PSD surgem mais dedicados em anular-se mutuamente do que em apresentar-se como alternativa. A campanha de cada um dos grandes partidos do centro acaba assim por se desenvolver centrada em ataques ao candidato opositor, tendo até dificuldade em deslocar de lógicas bastante medíocres. Ora Berta Cabral responsabiliza Vasco Cordeiro pela (má) obra do governo que integra, considerando-se uma lufada de ar fresco, ora Vasco Cordeiro recua 20 anos e recorda as responsabilidades de Berta Cabral nos governos de Mota Amaral.

Curiosamente, tendo em conta o contexto actual, nesta campanha (ou pré-campanha, se preferirem), PS e PSD teriam todas as condições para se apresentarem com visões políticas diferentes quanto ao futuro da região, quanto ao caminho a seguir, quanto às opções estratégicas a tomar. Ambos os partidos poderiam com mais clareza ocupar os respetivos campos ideológicos. Berta poderia, por exemplo, defender vigorosamente a linha de Passos Coelho. Mas todos sabemos que a matriz liberal está muito longe de a poder caracterizar. Por seu turno, Vasco Cordeiro bem pode proclamar que o país e a região não precisam de uma agenda de austeridade. Mas não foi essa a agenda que o seu partido acordou com a troika? Se a estes factos juntarmos aparelhos partidários para os quais a política muitas vezes se resume a lógicas clubísticas, defendendo o seu partido como se do Benfica ou do Sporting se tratasse, temos todos os condimentos para mais uma campanha que de política terá muito pouco.

A pouca diferenciação ideológica entre o PS e PSD é algo já demonstrado academicamente. O sistema partidário português, quando comparado com outros sistemas do mundo ocidental, caracteriza-se por apresentar pouca diferenciação ideológica entre dois partidos que ocupam o centro político. A fraca discussão política nos Açores não deixa de refletir essa determinante a nível nacional. De qualquer modo, num momento tão crítico para o país e para a região, em que é quase impossível ser-se indíferente, não defender uma posição, não preferir um caminho, esperava-se mais destas eleições. Esperava-se sobretudo mais política. Mas o que nos leva a crer que estes dois partidos e respectivos aparelhos estão de facto interessados em diferenciar-se politicamente?

Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental

segunda-feira, 2 de abril de 2012