De um momento para o outro, parece que os episódios de violência política tornaram-se cada vez mais frequentes no panorama nacional. Começam a ser raras as manifestações em frente à Assembleia da República que não terminam em violência, com notícias de apedrejamentos e cargas policiais a abrir todos os telejornais, a encher as manchetes dos dias seguintes e a dominar o comentário político durante toda a semana que se segue. Não é uma novidade: a violência impõe-se assim sem misericórdia sobre qualquer outro facto político. Infelizmente, a greve geral do passado dia 14 Novembro ficou marcada precisamente por este tipo de fenómeno.
Mas os episódios de forte tensão não se têm ficado por aqui. Desde que em Junho um sindicalista se atirou para cima do carro do Ministro da Economia e de que, no 5 de Outubro, uma senhora já com a sua idade interrompeu o discurso de Cavaco Silva e foi considerada uma ameaça, percebemos que os grandes responsáveis políticos não querem andar sem escolta nos espaços públicos. O povo português deixou de ser assim tão sereno e digamos que anda um pouco irritado.
Historicamente, a violência, a coação, a ameaça e outras modalidades semelhantes, sempre fizeram parte do combate político. O recurso à força sempre foi um meio à disposição da política. No entanto, a emergência dos ideais democráticos foi aos poucos empurrando a política da força para um espaço perfeitamente marginal do combate político. A força das ideias, das instituições como o Estado de Direito e as consequentes liberdades fundamentais, impuseram-se e só em situações in extremis são assumidamente abandonadas em benefício de soluções envolvendo violência.
A democracia Portuguesa tem um currículo muito pouco manchado no que à violência política diz respeito. Começando na Revolução dos Cravos, que se fez praticamente sem derramamento de sangue, são relativamente pontuais os incidentes que marcaram a história pela sua violência. E não deixa de ser curioso constatar que, apesar da tradição de grandes manifestações no espaço público, são poucos os incidentes violentos registados: desde as grandes manifestações orgânicas da CGTP aos mais recentes movimentos inorgânicos de 12 de Março (2011) e de 15 de Setembro (2012) que trouxeram centenas de milhares de pessoas para as ruas.
Mas esta serenidade está a mudar e a mudança verifica-se não só nas ações violentas em si mesmas (e.g. apedrejamentos e cargas policiais), mas sobretudo na forma como algumas destas ações são percecionadas. Apesar da reprovação genérica do recurso à violência, consegue existir uma maior compreensão no seio da população “mais indignada com o rumo do país” perante aqueles que, em situação de desespero, resolvem utilizar a força como arma política. Por seu turno, e não menos importante, existe também uma compreensão maior dos abusos policiais por parte da população “mais amiga da ordem e dos brandos costumes”. Só assim se compreende, por exemplo, que ainda não se tenha demitido um Ministro que concorda que as “suas” polícias filmem as manifestações, apesar dos avisos de ilegalidade vindos da CNPD. Só assim se compreende também que este episódio recente do pedido de acesso às imagens da RTP não tenha tido ainda consequências políticas.
A tragédia social em curso e as reações que a mesma está a originar estão a trazer a violência para o palco político, permitindo assim que a força se possa substituir à razão. Escusado será sublinhar as perigosas vicissitudes deste caminho em que quem protesta admite fazê-lo de forma não-pacífica e em que os responsáveis pela segurança admitem fazê-lo sem ter em conta a lei. Eis mais uma acha para a tremenda “fogueira político-económico-social” em que o país se encontra envolvido.
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
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