Num momento em que finalmente se tornou de relativo senso comum que a austeridade só intensifica os problemas, eis que o Governo surge com a questão da refundação. Quando tudo parecia indicar que algum recuo estratégico aconteceria, que no mínimo verificar-se-ia um abrandamento ou mesmo adiamento de algumas medidas, somos presenteados com um grande salto em frente: pelos vistos o que é preciso é refundar o Estado. O Estado Social, entenda-se.
Embora os prognósticos no fim do jogo sejam naturalmente fáceis, olhando mais atentamente para a estratégia agora seguida por Passos&friends, facilmente se conclui que tem muito pouco de idiota. Apesar de ser de senso comum que a austeridade só veio agravar os problemas, a ideia de que não foram feitas verdadeiras reformas no universo do Governo e da Administração Pública continua a subsistir em cada táxi, em cada local de trabalho e em cada jantar de família deste país. Ou seja, continua por aí a narrativa de que isto não vai lá porque as mordomias dos políticos e dos dirigentes públicos continuam, porque continua o desperdício e a ineficiência do Estado e, em última análise, porque continuam os excessos nos direitos sociais (rapidamente transformados em mordomias sociais).
E neste sentido, há que bater palmas à nossa Direita. Apesar da sua receita de austeridade e do custe o que custar ter falhado em todas as frentes, em muitos sectores subsiste a ideia de que foi a pura incompetência governamental na implementação de algumas das reformas prometidas que ditaram este falhanço. O tema da refundação surge assim como uma forma da referida Direita se redimir perante os que a elegeram acreditando que bastava cortar umas gorduras do Estado para que todos os nossos problemas ficassem resolvidos.
A maioria PSD/CDS aposta por isso na discussão do papel dos Estado, dos seus limites de intervenção e, claro, das funções sociais que desempenha. No fundo, um derradeiro esforço para ganhar a opinião pública. Por mais lunático que possa parecer, e apesar de tudo indicar que não será um esforço bem-sucedido, convém não subestimar este tipo de discussão. Mesmo que seja o último cartucho, não se devem esperar menos estragos neste tipo de jogada. Pelo contrário.
Artigo ontem publicado no Esquerda.net
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