A dificuldade que a esquerda portuguesa possui em se conseguir entender é pelo menos tão antiga como o nosso regime democrático. E assim acontece precisamente porque as vicissitudes da transição para a democracia (1974-1976) assim o determinaram. A história é bem conhecida: o PS afirmou-se em oposição aos sectores à sua esquerda. Desde então, os seus entendimentos a nível nacional acabaram por ser feitos sobretudo à direita. Aprofundaram-se, assim, desconfianças mútuas que ora crescem nos momentos de maior afastamento, ora são difíceis de contornar quando são tentadas convergências.
A preparação das presidenciais está a reflectir na perfeição o fosso existente. Apesar das sondagens actuais ainda concederem algumas esperanças, as probabilidades de não se verificar uma reeleição de Cavaco Silva são limitadas. Não reeleger o Presidente em exercício significa quebrar uma não negligenciável tradição. Assim sendo, o natural seria que existisse um forte esforço de entendimento à esquerda perante o tão grande desafio que se avizinha. Mas não. O cenário está muito longe de corresponder ao que à partida seria expectável.
É dificil não se concordar que Manuel Alegre é a personalidade que mais problemas poderá causar a Cavaco. É o candidato que melhor poderá fazer a ponte entre as diversas forças à esquerda; é um candidato já bastante conhecido da opinião pública e que tem vindo a construir o seu caminho; é o candidato que há muito goza de uma aura presidencial; entre muitos outros argumentos. Está longe de ser o candidato perfeito, é um facto. Mas Alegre continua a ser, no momento actual, quem reune mais condições para conseguir, pelo menos, uma 2ª volta.
No entanto, como é sabido, o anúncio da sua intenção de candidatura tem gerado reacções muito diversas. O Bloco apoiou-o desde o primeiro momento, mas tal gerou alguns mal-estares. Seguindo um caminho que optou em presidenciais anteriores, O PCP já confirmou que possuirá um candidato próprio e é razoavel considerar-se que tal canditado irá até às urnas. O PS, por seu turno, tem adiado consecutivamente a definição do seu posicionamento nas presidenciais. Apesar de alguns destacados militantes terem vindo a público manifestar o seu apoio a Alegre, o poeta está ainda longe de reunir consensos no seio do partido.
Como se todo este panorama já não fosse difícil, para além da complicação nas contas introduzida pela candidatura de Fernando Nobre, o PEC e as prioridades a ele associadas vieram cavar o fosso entre o PS e as forças políticas à sua esquerda. O próprio Manuel Alegre possui agora uma situação delicada entre mãos: apoiar o PEC está fora de questão; manter-se em silêncio sobre o mesmo seria fingir ignorar um tema que dominará a agenda política por muito tempo; condená-lo afincadamente será entrar em conflito com a força política cujo apoio poderá ser determinante.
Com toda esta encruzilhada, Cavaco Silva tem motivos para sorrir. Beneficia do apoio incondicional do PSD e do CDS e a esquerda, para não variar, está a dar os sinais de desunião que em muito favorecerão uma reeleição. É certo que muita água irá correr nos nove meses que ainda nos separam das eleições, mas o caminho não se afigura nada fácil. A tradição de desentendimentos à esquerda por vezes parece empurrar fatalmente as forças políticas em causa para confortáveis trocas de acusações e imputações de responsabilidades. Mas surpreendam-nos, se faz f. Mostrem-nos que a convergência é possível e mostrem-nos que a principal prioridade é de facto derrotar Cavaco Silva.
Artigo publicado ontem no Açoriano Oriental
7 comentários:
Eu duvido muito de que M. Alegre seja a pessoa ideal para unir a esquerda. Porquê ?
Tem um passado muito marcado por confrontos com o PCP durante o PREC. Isso entre os da minha geração paga-se.
Ele também não soube gerir a sua relação com o BE. A intimidade que ostentaram irritou profundamente quer o PS quer o PCP. Jogou-se a carta do facto consumado que, sem dúvida, só serve os interesses do BE.
Por tudo isto estou convencido de que a única hipótese de convergência séria teria sido ir buscar alguém de fora do mundo da politica partidária, com grande prestígio intelectual, que fosse aceite pelas várias correntes de esquerda.
O já famoso "independente de esquerda".
Atenção que não acho que seja a pessoa ideal ou o candidato perfeito. Acho sim que, para além de uma série de outras mais valias (ser conhecido da opinião pública, ter criticado algumas opções governamentais, experiência política, etc), é o candidato possível que reune as melhores condições para mobilizar a esquerda.
Quanto ao desejado "independente de esquerda", eu também gostava de alguém mais consensual, mas não estou a ver quem é que, no momento actual, teria tais condições e aceitaria tal desafio. O Fernando está?
O Eduardo Lourenço ? O Siza Vieira ? Alguém com este perfil.
E que tal o Cristiano Ronaldo ou o Mourinho?
Penin Redondo: Pois, percebo. Mas como concordará (e o exemplo de Fernando Nobre é paradigmático a este respeito), não basta ser uma figura consensual. É preciso muito mais do que isso (p/ex: amplo reconhecimenro público, experiência/estaleca política, máquina de candidatura bem oleada, etc).
Haja Alegria.Estamos num País de Poetas pois então!!!Não temos o samba mas temos o Fado.Mas que rico fado...se Luis Vaz de Camões fôsse vivo concerteza se canditaria também.Mas tenho quase,quase a certeza que o candidato oficial do PS vai ser....vejam se adivinham.....esse mesmo...o tal...o maior...o heroi...o internacional...o apoiante incondicional nos pequenos almoços...o que não sabia aquilo que sabia...de seu nome consagrado além Pátria,Luis Figo.
Precisamos é de candidatos novos,e não velhos com ideias conservadoras reformas chorudas e na mama de ordenados brutais.
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