Costumo dizer, meio sério, meio a brincar, que as pessoas de esquerda são difíceis de unir porque pensam demasiado “pela sua cabeça”. Ou seja, a sua intrínseca irreverência, a sua implacabilidade na denúncia de qualquer falsidade e a sua profunda aversão a carneiradas levam-nas a não embarcar facilmente em estratégias de unidade, de convergência, de compromissos mais amplos. Ao mesmo tempo que a direita não tem grande dificuldade em engolir uns sapos e partir para a unidade, a esquerda portuguesa tem-se mantido sempre fragmentada, com um PS a posicionar-se e alinhar-se demasiadas vezes ao centro e a restante esquerda a esforçar-se pouco para conseguir soluções de compromisso que permitam viabilizar um solução governativa.
E esta desunião da esquerda não é um pormenor na nossa democracia. Pelo contrário, Portugal integra o pequeno leque de países europeus que nunca assistiram a uma maioria governamental de esquerda formada por mais do que um partido. Ao contrário das já significativas experiências de coligações à direita entre PSD e CDS, o PS, o PCP e mais recentemente o Bloco nunca conseguiram chegar a um entendimento político que viabilizasse qualquer solução governativa de âmbito nacional E, para lá de querer procurar saber quem tem mais ou menos razão, uma coisa é evidente: esta fratura na esquerda portuguesa está na base de um panorama político algo desequilibrado, onde de um lado existe uma esquerda incapaz de se unir, e do outro uma direita que não pestaneja para o efeito.
Como é sabido, nos últimos anos têm-se multiplicado as vozes que sublinham a necessidade de existência de maior convergência de esforços na esquerda portuguesa. E, apesar de se revelarem depois inconsequentes, algumas iniciativas meritórias têm surgido procurando contrariar a tal tendência de desunião. Num contexto como o atual, onde ataques sem precedentes ao Estado Social são regularmente realizados, a urgência de união de esforços à esquerda tem-se feito sentir com particular intensidade. E é neste panorama que surge o Congresso Democrático das Alternativas (www.congressoalternativas.org), a realizar na Aula Magna, em Lisboa, no próximo dia 5 de Outubro.
Tendo na sua origem mais de duas centenas de cidadãos das mais diversas proveniências e que se identificam politicamente à esquerda, incluindo rostos conhecidos do PS e do Bloco, do mundo sindical e da Academia, dos movimentos sociais e do meio artístico, passando mesmo por militares de Abril, o Congresso pretende dar corpo a uma resposta programática que apresente alternativas bastante concretas à política de austeridade que atualmente tem vindo a ser seguida. No último Domingo eram já mais de 3500 os cidadãos que tinham subscrito a convocatória e 1100 os que se inscreveram para participar nos trabalhos da próxima sexta-feira.
O Congresso Democrático das Alternativas será naturalmente aquilo que cada um dos seus participantes dele fizer. E é necessário ver como correm os trabalhos para que ilações e conclusões mais profundas possam ser tiradas sobre esta iniciativa. De qualquer modo, a sua organização já está a servir para mostrar que, por um lado, a esquerda consegue de facto apresentar propostas alternativas ao rumo atual. Por outro lado, esta iniciativa serve também para demonstrar que, para lá das desavenças históricas dos partidos, existem de facto muitos cidadãos empenhados na assunção de convergências e denominadores comuns na esquerda portuguesa. E, num momento de emergência nacional como o atual, continuar a ignorar as possibilidades de união de esforços, como quer que as mesmas se possam concretizar, constitui uma profunda irresponsabilidade.
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
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