Há cerca de um ano e meio atrás, o mundo assistiu à implosão de uma gigantesca crise financeira internacional. A crise de uma vida, como alguns desde logo sublinharam, colocou à vista de todos a fragilidade do sistema vigente. Confiar cegamente nas forças do mercado deixou de estar na moda. Assistimos, então, a indignações vindas dos quadrantes mais inesperados contra com um sistema desregulado que tantas debilidades apresentava. As promessas de reforma foram imediatas. Havia que acabar com a ditadura dos mercados e abrir espaço à regulação.
No entanto, pasme-se, ano e meio depois, tudo parece ter sido esquecido. O sistema financeiro internacional mantém-se inalterado. Continua em todo o seu explendor e, vejam lá que maroto, voltou a fazer das suas. Os mercados parecem ter escolhido economias com algumas fragilidades da UE para despejar os seus nervosismos e inquietações. A Grécia foi a primeira vítima e Portugal já foi alvo, no mínimo, de umas valentes mossas. Até a Espanha tenta, sem grande sucesso, esconder o seu nervosismo. No meio de todo este cenário, por pouco não nos esquecemos que existia algo chamado União Europeia.
Como é sabido, a história da UE tem correspondido à permanente construção de um gigante económico que é simultaneamente um anão político. É tradicional, portanto, a dificuldade europeia em conseguir ter um papel coerente a nível internacional. Mas o que se passou nestas últimas semanas foi uma demonstração demasiado severa desta fragilidade. O gigante económico foi seriamente abalado, demonstrando não possuir quaisquer mecanismos de defesa perante as investidas de que foi alvo. Até a sua jóia da coroa – o euro – demonstrou estar assente em pilares demasiado frágeis. A solução passará pela criação de um FMI europeu ou pela criação de agências de rating europeias? Podemos deixar a análise da conveniência e eficácia de tais soluções para os especialistas. Mas algo parece certo: a UE terá de se dotar de instrumentos para suprir as vulneralibilidades tristemente demonstradas nestas últimas semanas.
E se o panorama revelou-se desolador a nível de mecanismos económicos de resposta, a nível político, pior era difícil. Num momento em que era fundamental a Europa demonstrar alguma unidade, parece nem sequer ter existido grande vontade de disfarçar os sinais de desarticulação e desunião. Angela Merkel não escondeu que, sempre que assim o entender, a Alemanha consegue refrear a sua costela europeísta e facilmente paralisar a máquina dos 27. E demonstrou também que não há instituições comunitárias que consigam contrariar um posicionamento um pouco mais firme de um grande Estado-membro. No meio de tudo o que se estava a passar, o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, mal se viu. E até nos esquecemos que existe agora um presidente do Conselho Europeu.
Com a presente crise, a Europa encontra-se num estado dificilmente sustentável. Ou opta por mais alguma integração, criando e reforçando instrumentos de regulação económica, ou opta por um recuo a nível da união económica e monetária, nomeadamente a nível da moeda única. Como é natural, a opção pelo caminho a seguir é eminentemente política e os argumentos utilizados para sustentar cada uma das alternativas não serão alheios a visões mais abrangentes sobre o futuro e papel da UE. No meu caso, partidário da ideia de que os destinos europeus deverão ser progressivamente traçados em comum, espero que a tradição de que as crises impulsionam progressos no modelo comunitário se cumpra. A ver vamos.
Artigo publicado ontem no Açoriano Oriental
PS: O texto foi escrito antes de ser aprovado o fundo de apoio europeu. De qualquer modo, tal facto não altera significativamente os pressupostos em que assentou.
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