quinta-feira, 17 de junho de 2010

Quem será a próxima vítima?


Uma sondagem para a SIC, Expresso e Rádio Renascença divulgada na passada sexta-feira colocou Pedro Passos Coeho à frente de José Sócrates nas intenções de voto. Embora a diferença seja tangencial, não é a primeira sondagem que o faz. Mas foi divulgado um dado ainda mais interessante: mais de metade dos inquiridos defende o fim da legislatura antes de 2012. É conhecido o efeito contaminador das sondagens na opinião pública: o sucesso que anunciam é o sucesso que acabam por construir e o fracasso previsto é o fracasso que ajudam a concretizar. As sondagens influenciam o eleitorado e, no momento presente, dão naturalmente a sua contribuição para o clima de fim de ciclo político que se faz sentir já em toda a comunicação social. O fim a médio ou mesmo a curto prazo da era Sócrates começa a ser uma certeza.

Ao mesmo tempo que no PSD sente-se já a tranquilidade de que o poder está próximo, no PS o pós-Sócrates começa a ser ponderado por muitos. Emerge assim o problema da sucessão depois de uma liderança forte, uma liderança que marcou tão vincadamente toda uma estrutura partidária. Tratam-se tipicamente de lideranças cujo sucesso, vitórias e momentos de glória oferecidos ao partido acabaram por queimar quase todas as alternativas em seu redor, tendendo a deixar o partido em pedaços após o seu abandono. A sucessão deste tipo de lideranças é, portanto, um problema estrutural para as respectivas organizações. O pós-Cavaco no PSD é apenas um exemplo de como tais sucessões são complicadas. Mas podemos até pegar em exemplos mais próximos. A longa travessia no deserto a que o PSD Açores foi sujeito após a saída de Mota Amaral ou a dificuldade manifesta de encontrar um sucessor de Carlos César no PS Açores demonstram bem essa crónica dificuldade das forças políticas após a saída de um líder marcante.

No caso do PS a nível nacional, alguns prováveis candidatos a sucessores de Sócrates aumentaram significativamente a sua actividade nos últimos tempos. António José Seguro e Paulo Pedroso, a título de exemplo, têm acentuado a sua demarcação da actual direcção socialista. E é provável que algumas figuras do círculo de Sócrates comecem também a posicionar-se. Mas existirão assim tantos interessados em querer ser a próxima vítima? É sabido que a probabilidade de uma sucessão bem sucedida no actual panorama é mínima. As lideranças fortes raramente preparam bem a sua sucessão, condenando quase irremediavelmente o seu partido a uma travessia do deserto após a sua saída.. Mas se assim é, se se trata de uma tendência mais do que conhecida que aliás figura em todos os manuais, porque não são tomadas medidas internamente para minimizar tal propensão? Será uma fatalidade?

Diversas respostas podem ser dadas a este respeito. Uma delas possui contornos evidentes: uma liderança que foi forte envolveu em seu torno as mais diversas sensibilidades, até as menos prováveis. Logo, a capacidade destas sensibilidades se desvincularem e partirem para a construção de uma alternativa é naturalmente complicada. Mas eis uma segunda explicação possível com contornos um pouco mais curiosos: estará a tal liderança forte interessada numa transição bem sucedida? É que se assim acontecer, a tal liderança forte deixará de o ser assim tanto uma vez que os feitos atribuidos ao grande líder afinal não dependiam assim tanto da sua pessoa. Para manter a sua grandeza, convém ao líder deixar o partido em cacos após a sua saída. Convém-lhe deixar a sensação de que é insubstituível, fazendo dos seus sucessores vítimas úteis. Maquiavelismo no seu estado mais puro.

Artigo publicado terça-feira no Açoriano Oriental

Sem comentários: