quarta-feira, 16 de junho de 2010

Era interessante

Interessante seria Passos Coelho vir explicar às recepcionistas ou seguranças no meu trabalho, que trabalham em regime de precariedade sem conseguirem sair daí, porque é que uma ainda maior flexibilização do mercado de trabalho seria positivo para o país. Era interessante, era... Já agora, podia depois explicar-lhes também porque lhes está a sugerir que paguem a maior fatia da crise que não geraram. Dir-lhes-ia que andaram a viver acima das suas possibilidades, será?
(Imagem: Arrastão)
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PS: Desculpem o tom de manifesto desabafo deste post, mas o que se está a passar começa a tirar-me demasiadas vezes do sério.

8 comentários:

F. Penim Redondo disse...

Acho que estás a ignorar uma outra perspectiva.

Há muitos milhares de portugueses jovens que, ao fim de três anos numa empresa, mesmo com satisfação mútua, são forçados a ir à procura de outro contrato a termo.

A lei actual não contribui para a sua estabilidade. Para esses, poder continuar no mesmo emprego mais do que os três anos acabava por ser um acréscimo de estabilidade.

Conheço muito bem, por experiência própria, este tipo de situação.
Estas pessoas estão a ser vítimas de um preconceito ideológico que só se preocupa com quem já tem emprego seguro.

Carlos Faria disse...

Duas coisas diferentes surgem neste post.
A flexissegurança e a distribuição do aumento dos impostos para custear a crise.
Na primeira, estou plenamente de acordo que individualmente a flexissegurança não aumenta a segurança de cada trabalhador per si. Genericamente acredito que facilite contratações de desempregados por parte de empresas que não ficam tão constrangidas a manter o trabalhador contratado. isto, indirectamente, pode-se reflectir em menores riscos dos investidores e aumentar o investimento reduzindo a taxa de desemprego.
Sobre a distribuição da carga fiscal, estou de acordo que muitas propostas são injustas.

João Ricardo Vasconcelos disse...

Mas 3 anos não é tempo mais do que suficiente para que o posto de trabalho ocupado seja considerado uma necessidade permanente, devendo portanto proceder-se a um contrato sem termo? Eu acho que sim e não estou a perceber o que pode impedir que tal aconteça. Eventualmente a aversão ao risco da empresa contratar alguém numa condição mais estável. Trocado por miúdos, é sempre mais fácil manter a porta de saída semi aberta, mesmo após três anos de satisfação mútua. É um facto.

Mas uma vez que refere exemplos, eu consigo referir-lhe também um que é prática rotineira das empresas de trabalho temporário: durante três anos a Maria foi “telefonista”, nos três anos seguintes deixou de o ser para passar a ser “recepcionista”. Passados três anos passou a ser “assistente de recepção, especializada em atendimento telefónico”. Como este exemplo demonstra, tenho sérias dúvidas que as empresas não tenham a criatividade suficiente para contornar a lei actual e continuar a manter os seus funcionários em regime precário. Logo, só os despedem, se quiserem. Assim sendo, não percebo em que é que uma ainda maior institucionalização da flexibilidade contribuirá para o mercado de emprego. Na prática já é ultrafléxivel e estamos já nos 10,8% de desemprego…

Por último, será preconceito ideológico tentar que as pessoas tenham maior segurança contratual? Em última análise, tentar que todos possam mais facilmente ter acesso a empregos seguros? Que estranho preconceito é este.

F. Penim Redondo disse...

Caro João Ricardo,

não sei qual é a sua experiência empresarial e sindical mas acredito na sua honestidade e boa-fé na desfesa de ideias com que não concordo.

Eu já fui dirigente sindical, membro de uma CT eleito durante 12 anos consecutivos, empresário e gestor de uma multinacional.

A minha própria experiência convenceu-me de que a questão do limite dos 3 anos nada resolve. A empresa ou tem condições e necessidade de contratar uma dada pessoa ou não tem. Idependentemente do limite dos 3 anos.
Como sabe, apesar de existir a dita lei, a percentagem de trabalhadores com contratos a termo não tem cessado de aumentar no nosso país.

Neste momento o universo dos trabalhadores em Portugal está dividido em três grupos:
a) Os que, para já, têm emprego para toda a vida num organismo estatal
b) os que têm emprego "seguro" enquanto a sua empresa privada existir.
c) os que dependem de sucessivos contratos a termo, ou de trabalho temporário, intervalados com períodos no desemprego.

O grupo c) é cada vez mais numeroso e continuará a crescer à medida que os trabalhadores mais velhos se reformarem ou morrerem.
Para os que o compõem a questão essencial é ter um emprego remunerado mesmo que precário, ou até "seja ele qual fôr".

Esta gente existe, e sofre, mas padece do pecado original de não corresponder à definição de trabalhador que os sindicatos gostariam de ter como associado.
Têm uma força reivindicativa limitada dada a sua situação instável.
O ideal dos sindicatos é o funcionário público que pode fazer quantas greves quiser sem recear ser despedido.

Há muitas ideias feitas no que toca ao emprego, quantas vezes absurdas.
Não ajuda nada partir do princípio de que quem contrata está sempre a pensar em perseguir e espremer os seus empregados. Trata-se de uma caricatura própria do trabalho indiferenciado no século XIX industrial.

Hoje é bastante comum o problema inverso; a empresa investir na formação de pessoas que depois encontram melhores colocações e ameaçam despedir-se.
Certos tipos de especialistas formados nas empresas podem demorar meses a ser formados e por isso as empresas muitas vezes têm que pagar o que não podem para os reter.

Quem gere uma empresa, se não estiver ligado aos favores do governo ou beneficiar de mercados protegidos, tem que matar a cabeça para simplesmente sobreviver na economia global.

Eu até penso que o tempo das empresas, tal como as conhecemos, está a chegar ao fim e devíamos inventar algo novo.
Mas já é tempo de acabarmos com as visões simplistas e demagógicas se realmente queremos o bem comum.

Anónimo disse...

Diz o João Ricardo:

"Mas 3 anos não é tempo mais do que suficiente para que o posto de trabalho ocupado seja considerado uma necessidade permanente, devendo portanto proceder-se a um contrato sem termo? Eu acho que sim e não estou a perceber o que pode impedir que tal aconteça."

Há muitas razões para que tal não aconteça. P.ex. a empresa pode ser uma multinacional que tem instruções peremptórias para naquele ano, não admitir ninguém para os quadros. E o trabalhador que naquele ano esgota o numero de renovações possíveis do seu contrato (como já me aconteceu) é que se lixa.
E não vale a pena dizer, como às vezes se ouve, que se o trabalhador fôr bom a empresa o há-de conservar; isso só acontece se ele fôr excepcional ou se a sua formação tiver sido tão dispendiosa que a empresa não queira repetir a dose com outro.

Porque a situação que refere:

"durante três anos a Maria foi “telefonista”, nos três anos seguintes deixou de o ser para passar a ser “recepcionista”. Passados três anos passou a ser “assistente de recepção, especializada em atendimento telefónico”

aplica-se fácilmente a trabalhos indiferenciados e em situações de trabalho temporário; não em situações ce contrato a termo e a trabalho altamente qualificado.

Eduardo disse...

É precisamente por haver pessoas que querem obrigar que as decisões tomadas pelas empresa sejam eternas que as empresas não querem tomar esse tipo de decisões. Se alguém passar o passar a obrigar a contratar para toda a vida o mesmo fornecedor de internet se for cliente durante pelo menos 3 anos, o que vai fazer? As empresas conhecem bem o elevado custo e dificuldade de despedir alguém e não estão dispostas a correr riscos elevados. Nós todos somos assim. Se for mais fácil despedir, é mais fácil contratar. A porta de saída semi-aberta é também a porta de entrada semi-aberta. Demonstra-se ainda que uma maior liberalização conduz a um aumento de salários porque há uma vasta camada da população que com os seus contratos praticamente vitalícios está a impedir a entrada de novos trablhadores. Ist parece-me elementar mas a ideologia é de facto uma barreira enorme.

João Ricardo Vasconcelos disse...

Caro Fernando,

Escusado será dizer que também acredito na sua honestidade, boa fé e também na sua experiência.
Mas repare que está a baixar o patamar de exigência depositando todas as esperanças, intercaladas com o sentimento de inevitabilidade, nos mecanismos de oferta e procura. Uma abordagem liberal do mercado, portanto. Abordagem que, a meu ver, falha por considerar que as partes envolvidas (procura/oferta ou trabalhador/empresa) possuem o mesmo peso negocial. Como não considero que assim seja (e acho que o Fernando também não), defendo naturalmente que é a parte à partida menos forte que a regulação estatal deve defender. Deve fazê-lo até para equilibrar uma balança à partida desequilibrada. Daí a importância e essência da legislação laboral. E é tal defesa que permite que os mercados funcionem fluentemente, mas com limites de razoabilidade. De outro modo, levado a extremos, teríamos contratos à hora para as pessoas trabalharem. Foi a regulação/intervenção pública que levou a modelos de desenvolvimento como o Estado Providência, modelo que defendo afincadamente como bom equilíbrio entre as exigências de desenvolvimento económico e necessária construção da coesão social.

Compreendo e partilho grande parte da sua crítica aos sindicatos sobre a capacidade de integrar o “precariado” como seus associados e de defender tal segmento de trabalhadores. Mas da forma como o Fernando o faz, até parece que são os sindicatos os responsáveis pelo fenómeno da precariedade que existe no mundo.

Por último, naturalmente que não gosto de cair em clichés de demonização das empresas e dos empregadores. E compreendo as dificuldades das empresas como as que refere. Mas aí também concordará que se está a referir sobretudo a empresas em sectores de ponta que exigem fortes qualificações (na área das tecnologias e comunicações, p/ex) Mas sejamos claros: os efeitos negativos da eliminação desde limite far-se-ão sentir não tanto aí (uma realidade minoritária) mas nas empresas que utilizam massivamente mão-de-obra desqualificada. Empresas estas que empregam a vastíssima maioria do precariado em Portugal. Assim sendo, percebo que muitos destes empregadores estejam contentes com a proposta de Passos Coelho, mas compreenderá que considero este tipo de medida como um tremendo passo atrás.

João Ricardo Vasconcelos disse...

Anónimo e Eduardo: Aqui vemos como esta é uma questão profundamente ideológica. Não que haja mal nisso. É um facto.

Percebo o que referem mas estamos sim a falar em caminhos diferentes para chegar a objectivos eventualmente semelhantes: desenvolvimento económico e coesão social. No vosso caso, parece-me que encaram o funcionamento do mercado e das empresas como um fim em si mesmo. Tal está em oposição ao que defendo de que não pode haver desenvolvimento sem mercado, mas o mercado tem de ser regulado, de outro modo o caminho para o desenvolvimento será tão duro que se tornará impraticável e revelar-se-á um retrocesso em termos de coesão social.

Daí o que expus acima ao Fernando Penim Redondo: a regulação é fundamental para um bom equilíbrio entre as partes. A vontade, pelo contrário, de abolir a regulação que salvaguarda a parte mais fraca leva, a meu ver, a desequilíbrios que a mão invisível curiosamente mostra-se sempre dificuldades em equilibrar.

São perspectivas diferentes. Mas saúdo o facto de estarmos aqui a ter numa caixa de comentários uma discussão tão profundamente política. Política a sério, no fundo.