quarta-feira, 3 de março de 2010

Ressureições Políticas

Não são poucos os mistérios que circundam o fenómeno político. E assim é pela capacidade que este, através dos seus actores e do rumo seguido pelos acontecimentos, tem de nos surpreender. A inquietude da balança política, a mudança permanente no jogo de forças e a mutabilidade da opinião pública determinam que o que hoje é certo, amanhã estará longe de o ser. A maior das evidências no presente facilmente será relativizada num futuro próximo. Neste contexto, a morte política tantas vezes decretada a alguns actores e a posterior capacidade que estes demonstram em ressuscitar é um fenómeno muito ilustrativo a este respeito.

Focando-nos apenas na política portuguesa mais recente, quem não se recorda da morte política sentenciada a António Guterres após ter deixado o país entregue ao pântano? Quem não se lembra da forma cabisbaixa como Marcelo Rebelo de Sousa abandonou a liderança do PSD em 1999? Quem consegue esquecer as saídas e reentradas triunfantes na cena política de Paulo Portas? E por último, pegando no caso que até deve constar em todos os manuais, quem não se lembra da quantidade de vezes que já foi decretado o fim da carreira política de Santana Lopes? O dinamismo constante do panorama político e a memória curta do eleitorado garantem que a ressurreição em política seja um fenómeno relativamente normal.

Cavaco Silva há alguns meses atrás atravessou um momento negro que parecia não ter retorno. O caso Público e a sua desastrosa comunicação ao país fizeram-no bater bem no fundo. Foi alvo de paródia e muitos à direita não deixaram de lhe atribuir responsabilidades pelo fraco desempenho do PSD nas últimas legislativas. Seguiu-se um período de forte recolhimento e descrição por parte do Presidente da República. Havia que dar tempo ao tempo. Eis que, passados poucos meses, o seu calvário parece ter chegado ao fim.

O Governo atravessa hoje o seu pior momento, muito ferido na sua credibilidade, pressionado por toda a oposição e bastante debilitado perante a opinião pública. A Justiça continua sem se conseguir assumir como pilar inabalável do regime e mesmo a comunicação social está a ver o seu papel no sistema democrático enfraquecido com o role de audições na Assembleia da República. Se a isto somarmos as probabilidades de divisão à esquerda que a candidatura de Fernando Nobre veio trazer, verificamos que Cavaco tem agora todas as condições para apresentar-se serenamente como grande garante da estabilidade do país e das suas instituições.

Por outro lado, importa ter em conta que o PSD deverá renascer das cinzas já em Março com a sua nova liderança. É então fortemente provável que se constitua como alternativa perante um Governo visivelmente enfraquecido. Cavaco assumirá assim o papel de grande árbitro, de grande juiz do destino político do país. Será a figura patriarcal e providencial para onde todos os rostos se virarão assim que qualquer caso estalar, assim que qualquer ameaça de crise surgir.

A forma como a situação política de Cavaco Silva se alterou nos últimos meses é reveladora da facilidade como se ressuscita politicamente nos dias que correm. Como é evidente, nada garante que o panorama não se volte a alterar subitamente. Nada é garantido e o cenário traçado acima não passa disso mesmo: de um cenário. No entanto, é sobretudo com base em cenários e perspectivas futuras que os actores políticos se posicionam no presente. Assim sendo, parece ser indiscutível que Cavaco tem hoje muitas razões para sorrir.
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Artigo publicado ontem no Açoriano Oriental

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