quinta-feira, 1 de julho de 2010

Cuidado com os apolíticos

Desde o princípio dos tempos existem políticos ou candidatos a políticos que fazem questão de demonstrar o seu desapego pela actividade política. Fazem, desde modo, uma exaltação da apolítica ou da não-política, fórmula encontrada para que lhes atribuam algum distanciamento de uma classe pouco afamada junto da opinião pública. Este tipo de comportamento reflecte-se em diversos tipos de posturas, mas existem duas que são clássicas: 1) fazendo crer que a actividade política não resulta de uma vontade do próprio, mas sim de uma espécie de dever para com o país, um duro sacrifício a que se submetem em nome dos seus compatriotas; 2) colocando-se acima da política, acima dos partidos, acima da esquerda ou da direita, afirmando-se para além de tudo disso, o que quer que tal signifique.

Curiosamente, e cada um à sua maneira, dois dos actuais candidatos à Presidência da República têm alguma tendência para recorrer às posturas apolíticas. No caso de Cavaco Silva, desde a famosa história da rodagem do seu novo Citroen BX ao Congresso do PSD na Figueira da Foz em 1985 que é conhecida a sua crónica atitude de distanciamento relativamente à actividade política. No fundo, parece que nunca foi Cavaco que quis assumir cargos. Foram sempre os outros que lhe pediram que assim o fizesse. E mesmo depois de ter sido 10 anos primeiro-ministro e 5 anos Presidente da República, continua sem se considerar um político.

O caso de Fernando Nobre é naturalmente diferente. O médico e presidente da AMI fez questão de se assumir desde o ínicio como não-político, como não ligado aos partidos políticos e, de forma ainda mais arrojada, acima de qualquer divisão esquerda-direita. Era espectável que a sua candidatura procurasse manter uma postura de independência. No entanto, no meio de tanta negação, os eleitores podem, deste modo, ficar sem saber muito bem o que pensa e o que defende Fernando Nobre. Guiar-se-á apenas pelo seu bom senso, será? Espera portanto que votem no seu bom senso?

Como é evidente, as posturas acima não acontecem por acaso. A actividade política e seus protagonistas são desde sempre encarados com desconfiança por grande parte da opinião pública. E tal não é um exclusivo português, mas sim uma tendência consolidada em todo o mundo ocidental. A política é uma actividade que, também devido à elevadissima exposição mediática a que é sujeita, transpira vícios, faltas de honestidade e verticalidade, ambições desmedidas, entre outros traços pouco abonatórios. O político parte por isso para a negação da sua condição na tentativa de ganhar alguma credibilidade extra. Tenta apresentar-se como um cidadão comum, sem os tais vícios que são atribuídos aos seus correlegionários.

O problema é que tal distanciamento artificial do mundo político acarreta reversos da medalha há muito conhecidos. Por exemplo, o político que sublinha que a sua função é uma espécie de sacrifício pessoal que faz em nome do povo e do país habilita-se a que tirem sérias ilações sobre a sua falta de frontalidade ou mesmo honestidade. Por seu turno, a fuga permanente aos rótulos de esquerda ou direita também pode não o engrandecer. É que, com todos os defeitos que possuem, tais dimensões são traços que asseguram alguma coerência ideológica ao actor político. Dotam a sua acção de alguma previsibilidade, fazendo que com que a mesma não dependa apenas de coisas tão relativas como o bom senso ou o estado de espírito. Em suma, a política pode não ser a mais nobre das actividades, mas entrar ou permanecer nela negando-a acaba por reflectir traços pouco abonatórios.
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Artigo publicado terça-feira no Açoriano Oriental
(Imagem: Horta do Zorate)

3 comentários:

ds disse...

O que pensa Fernando Nobre? Bom, deixo aqui um vídeo que pode esclarecer algumas dúvidas: http://vimeo.com/12989270

Quanto ao apolítico, posso dizer que também não me prendo com nenhum partido, sigo as minhas próprias ideias, mais ou menos partilhadas com alguns partidos, mas da esquerda à direita consigo ir buscar bons exemplos, por isso mesmo não me posso considerar deste, daquele ou do outro. E acho que se nos deixássemos de categorizar e vestirmo-nos certas etiquetas permitiriamo-nos mais liberdade de raciocínio, maior individualidade, ou seja, um carácter mais claro e distinto, o oposto do que o João sugere que se passa. É sobretudo uma questão de estarmos atentos e de procurarmos estar informados.

F. Penim Redondo disse...

Caro João Ricardo,

cá estou eu para discordar e, desejavelmente, animar o debate.

Curiosamente o post omite o Manuel Alegre que ainda ontem teve uma reunião com economistas cuja principal qualidade era nunca terem sido ministros.

Eu acho que no mundo ideal as pessoas que exercessem cargos políticos o deveriam fazer num intervalo das suas carreiras profissionais, às quais deviam voltar quando terminassem a sua "actuação".

Não consigo encontrar vantagens nos políticos profissionais, que saíram directamente da escola para a Jota e nunca tiveram profissão. Ou que foram operários, ou professores, há 40 anos e se perpetuam agora nas cadeiras de S. Bento.

Tenho muitas vezes a sensação de que os deputados que legislam não fazem erros por maldade mas, simplesmente, porque desconhecem como vive a generalidade das pessoas.

Tanto quanto sei, quer o Cavaco quer o Nobre tinham profissões, e reconhecimento profissional, antes de virem à política e está em condições de as continuar depois de sair.

Realmente é verdade que todos nós, de uma maneira ou de outra, fazemos política mas isso não significa que todos somos políticos.

João Ricardo Vasconcelos disse...

DS: Percebo o que diz e concordo que o inserir-se em determinada categoria pode significar um apego excessivo a determinadas ideias, ou uma pouco capacidade de manter a "cabecinha fresca", de ter uma "open mind". Mas repare que situar-se no eixo esquerda-direita não implica necessariamente identificar-se com o partido x ou y. Indica sim, a meu ver, um conjunto mais ou menos coerente de ideias políticas. Naturalmente que uma pessoa pode posicionar-se ao centro, ou no centro do centro, mas aí aumenta a imprevisibilidade dos seus posicionamentos, das suas ideias. Fernando Nobre é um homem de centro esquerda mas, por uma questão estratégica, optou pela clássica táctica de dizer que não é nem de esquerda nem de direita.

Penim Redondo: Meu caro, ainda bem que vai passando por cá para “animar a malta”. Será que preferia que Manuel Alegre se juntasse a ex-ministros? Daqueles que desde o momento que adquiriram o estatuto de “ex”, sabem exactamente quais as soluções para o país? Relativamente aos políticos profissionais, também não os considero uma situação ideal. Mas confesso recear igualmente os profissionais/tecnocratas que chegam à política sem base política, sem tacto, apenas dotados do suposto saber científico. Concordará que é uma situação pouco desejável.

Relativamente ao facto de Cavaco e Nobre terem uma carreira, de acordo. Mas não é isso que critico no artigo. Critico sim a estratégia clássica do Prof. de Economia da Nova que, depois de ter exercido durante 15 anos os cargos mais importantes da nação, não se considerar um político. Aponto também o quão contra-producente é a estratégia de Fernando Nobre de não se qualificar politicamente.