domingo, 7 de dezembro de 2008

Viagem a Havana – Algumas Impressões

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De regresso após uma semana em Havana, julgo que deu bem para ficar com um panorama razoável sobre a cidade e o país. Torna-se naturalmente dificil exprimir em poucas palavras todas as impressões recolhidas. Deixo algumas notas para eventual comentário:
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Sobre Havana
1 – Não existe uma Havana, mas sim duas: uma para a fotografia e outra bastante menos fotogénica.
2- A primeira é formidável. Não por ser faustosa ou brilhante, mas por ser quase única. O seu misticismo é quase contagiante. Quem está em Havana apenas dois ou três dias a caminho dos resorts de Varadero leva certamente esta impressão da cidade. Não foi o meu caso...
3 - Fora dos pontos turisticos da cidade, o panorama é bastante desolador. E não é necessário ir para os arredores. A pobreza está bem no seu centro. Basta sair um pouco dos roteiros recomendados e caminhar a pé pela cidade.
4 – Estranhamente, ambas as Havanas parecem complementar-se na criação da aura romântica e rebelde em torno de Cuba. É triste que assim seja. Só um sentimento com alguma dose de sadismo pode ficar indiferente à pobreza ornamentada com alguns sorrisos nos lábios de toda uma população.
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Sobre Cuba e sua realidade:
1 – Como é sabido, relativamente a outros países das Caraibas ou da América Latina, Cuba não é dos piores casos em termos de qualidade de vida. A gratuiticidade e relativa qualidade do ensino e da saúde e o acesso à habitação assim o determinam. O acesso à cultura também é notório.
2 – O embargo americano deixa a economia destroçada, sem dúvida. Mas um sistema económico socialista que não permite a liberdade de iniciativa individual sequer para o mais pequeno dos negócios tem, obviamente, uma enorme responsabilidade.
3 – Existem duas moedas em circulação: o peso cubano e o peso convertível. O primeiro equivale a cerca de 1/26 de euro. O segundo equivale mais ou menos a 0,90 dólares.
4 - Os cidadãos recebem em pesos cubanos, podendo aplicá-los em bens essenciais como a alimentação ou outras necessidades básicas. Os restantes produtos têm de ser comprados em pesos convertíveis.
5 - Um operário fabril, por exemplo, recebe cerca de 170 pesos cubanos (cerca de 15 euros por mês). Agora imaginem o esforço que teria de fazer para comprar um litro de gasolina (caso tivesse um carro, claro!): custa cerca de 1,20 euros.
6 – O turismo apresenta-se como o principal recurso para a captação de capital pelo país. Os dirigentes cubanos sabem-no perfeitamente, daí a sua hipocrisia ao promoverem dois mundos: o dos turistas e o do cidadão comum.
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O peso da ditadura
1 – Das coisas que mais nos fazem relembrar que estamos perante uma ditadura é o bloqueio no acesso à informação que não a autorizada pelo regime. Os cubanos não têm acesso a imprensa estrangeira, não podem aceder à internet e são punidos caso tenham uma parabólica, por exemplo.
2 – O único diário autorizado é o Gramma, órgão oficial do Partido Comunista Cubano. Escusado será comentar a linha editorial dos seus conteúdos.
3 – Ou seja, a única visão que os cubanos têm do mundo é a que é veiculada pelo seu regime. Convido cada um dos leitores deste post a pensar bem no que constitui apenas poder ver o mundo segundo uma única fonte de informação (só por acaso, nada imparcial). É aterrador...
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Notas finais
1 – Fiz uma viagem sem resorts e sem guias turisticos. Tinha precisamente o objectivo de ver, sem filtros, a realidade de um país sempre polémico. O resultado da viagem é, sem dúvida, muito positivo. Os “trabalhos de campo” junto de realidades diferentes são sempre positivos.
2 – Não deve ser desprezado o esforço feito pelo regime cubano por garantir aos seus cidadãos o acesso à alimentação, educação, saúde, habitação e cultura. Num panorama como o das Caraíbas e da América Latina, tal esforço tem resultados que devem obviamente ser aplaudidos.
3 – Mas tal nunca pode justificar ou sequer minimizar o facto dos cubanos viverem sobre os espartilhos de uma ditadura. Por mais que esta se possa basear em visões românticas de rebeldia, inspirada em ideiais humanistas devidamente ornamentados com carismáticos Fideis e Ches, a sobrevivência da ditadura é uma afronta aos mais elementares direitos dos cubanos.
4 – A liberdade não tem preço: eis o valor central que qualquer democrata tem de possuir à partida. No entanto, nunca são demais as experiências que nos permitem reforçar ainda mais o valor da liberdade. Eis o que de mais positivo retiro desta viagem que agora realizei.

5 comentários:

duarte disse...

mas cuba resiste...quanto à liberdade,vejo-me na obrigação de concordar consigo...gostava de ver in-loco tb...mas não há euros que cheguem.
duartenovale

Jordão disse...

Bom post, sim senhor!

MM disse...

Incrivel como um país do terceiro mundo resiste à tantos anos a um bloqueio ilegal imposto pelos estados unidos, e o sr. que lá foi não deu por isso, ah devem ser os comunistas que gostam que as pessoas vivam mal, surreal, tanta coisa positiva em cuba (sim já lá estive) mas para si apenas o mau sobressai, a capacidade de resistência colectiva daquele povo e as conquistas que fazem em tantas e tantas áreas não lhe chamaram a atenção... curioso no mínimo, talvez fosse de uns "mojitos" a mais e andasse distraído.

Anónimo disse...

Caro JRV,

Vejo que se embrenhou nos meandros da sociedade cubana. Foi de férias mas levou consigo o seu olhar mais "profissional", e não só a toalha...

Eu tb gosto de observar por detrás do que me é dado a ver. Só assim faz sentido, para conhecer outros locais, outras gentes e culturas.

Agora, de volta aos posts.....e ao trabalho :(

João Ricardo Vasconcelos disse...

Boots: Não tenho dúvidas que o embargo americano é um acto de prepotência e uma verdadeira tentativa de homicídio para a economia de qualquer país e, por consequência, para o seu povo. E quanto "às conquistas que fazem em tantas e tantas áreas", vejo que deve não deve ter lido o mesmo post que eu escrevi.

Apenas acho pouco objectivo considerar-se que o embargo americano justifique na totalidade os problemas da economia cubana. De qualquer modo, uma vez que não sou economista, prefiro falar nos aspectos políticos.

Você refere a "capacidade de resistência daquele povo". Concordo na totalidade, mas certamente com um prisma diferente do seu. É que quando não existe democracia, pode-se falar em povo, mas não se pode falar na sua vontade. Concorda comigo ou não?

É bonito falar-se "daquele povo" e ignorar-se, minimizar-se ou omitir-se deliberadamente o facto "daquele povo" nem sequer poder discordar do regime que o governa. Nem sequer poder ter acesso a informação que não a que lhe é "oferecida" pelo regime. Nem sequer poder pensar e escolher por si próprio. É bonito, não é? É bonito que alguém escolha permanentemente por "aquele povo", não é?

Quanto aos "mojitos", meu caro, vou ter de lhe retribuir a piada na mesma moeda: você, pelos vistos, não precisa de estar em Cuba nem de beber "mojitos" para andar um pouco distraído.