quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Rude golpe na democracia venezuelana


A Assembleia Nacional da Venezuela aprovou por maioria esmagadora uma proposta de emenda constitucional que permitirá que o presidente Hugo Chávez concorra à reeleição sem limite de mandatos.” (Sol, 15/01/2009)

Existem as transições para a democracia e existe também o seu inverso. Chávez dá-nos cada vez mais argumentos para crermos que a Venezuela se enquadra neste segundo caso…

2 comentários:

Francisco disse...

Porquê? Infelizmente no que diz respeito a Chavez e à Venezuela a objectividade e rigir na análise é coisa que escasseia, mesmo nas melhores casas :) Na Venezuela há liberdade de imprensa, e mais liberdade de opinião, a sério não apenas para meia dúzia de magnatas dos mass media e seus apaniguados. Existem para além dos media estatais e privados uma rede de radios e jornais comunitários sem igual, deve ser dos países em que o cidadão comum mais tem oportunidade de fazer notícia e não apenas escutálas...
Relativamente a eleições nos últimos anos houve em média mais de uma votação por ano! Sempre correram sem incidentes e quaisquer que foçem os resultados para Chavéz estes foram sempre respeitados...
Se ataques à democracia os houve e há, incluido agressões e provocações, estes vieram da oposição, o apogeu foi o golpe de estado em 2002 e lock out de 2003, mesmo assim a democracia subsistiu e fortificou-se...
Na Venezuela não estamos a falar de "Buiseness as usual" o país e levando de arrasto toda a região, está a sofrer um profundo processo te transformação socio-economica, não se faz isso do dia para a noite, leva tempo e liderança (no bom sentido da palavra, quase técnico) é necessária para empreender e manter este processo. Se assim o quiser, e se lá tivesse eu quereria, o povo deverá, e terá o direito de saber se quer continuar a desenvolver o processo e a reeleger Chavez.
Franklin Delano Roosevelt obreiro do New Deal foi eleito 4 vezes e muito bem pelo povo Norte-Americano, porque é que na Venezuela não poderão fazer o mesmo com Chavéz? Percebo o medo dos grandes interesses... Fora esses...
Já agora quando o cardeal prega a nova ruzada e pretende dividir Cristão e Muçulmanos aqui está um homem que os une ver, http://mundoemguerra.blogspot.com/2009/01/gaza-chavez-e-notas-da-grcia.html

João Ricardo Vasconcelos disse...

Viva Francisco. Bem, discussão de fundo… :) Sei que estiveste na Venezuela e terás certamente uma visão muito mais in loco do que a maioria de nós que apenas pode acompanhar o que lá se passa pela comunicação social.

Não digo que o que se passa na Venezuela já é uma ditadura, muito menos um regime totalitário como por aí já ouvi. Continuam a existir eleições, continua a existir comunicação social mais ou menos livre, continua a existir Estado de Direito na medida em que os tribunais estão a funcionar, continua a existir o direito formal da oposição existir e manifestar-se Concordo que se estão a assistir na Venezuela e noutros países da América Latina a processos interessantes de envolvimento directo da população na gestão dos mais diversos assuntos públicos. E todos sabemos os actos golpistas que Chávez já foi alvo (tudo indica que uma das vezes aconteceu com o apoio vergonhoso de países europeus, como a Espanha, por exemplo), e mesmo assim a democracia não caiu.

Mas existem também grandes sinais de que a qualidade da democracia venezuelana está a desvanecer-se perigosamente. Falando apenas do que lembro recentemente, a não renovação de um contrato de transmissão de uma cadeia de televisão privada que se opunha a Chavez é um exemplo disso. A forma como Chávez dispõe da comunicação social estatal para chegar ao povo é outro exemplo. A não permissão da entrada de observadores de uma ONG americana (por mais duvidoso que seja o seu passado) é outro exemplo. E a presente possibilidade de Cháves se recandidatar indefinidamente é um exemplo claro a este respeito.

Pegando nesta última questão, pode-se sempre argumentar que se o povo o elege indefinidamente, é porque assim o deseja. Mas, como sabes, essa não é uma regra absoluta em democracia. Antes pelo contrário. A limitação de mandatos é um mecanismo que força a rotatividade no poder, fenómeno essencial em democracia política.

Se quiseres, a qualidade política de uma democracia não se mede tanto através dos mecanismos democráticos disponíveis para a maioria (p.ex. a maioria do povo venezuelano que apoia Chávez). Mede-se sim sobre a manutenção de mecanismos democráticos que permitam às minorias oporem-se/defenderem-se das maiorias.

Para o efeito, não basta que determinadas organizações (como os tribunais, as forças de segurança ou a comunicação social) estejam a funcionar. É preciso aferir de que modo as mesmas estão dependentes/influenciadas pelo poder político.

Neste contexto, pergunto-te se não achas que o povo venezuelano que não apoia Chavés possui cada vez menos mecanismos para a ele se opor? Na tua visita à Venezuela, contactaste também com pessoas/organizações/associações normais que se opõem a Chávez? Se sim, o que te disseram elas a propósito da sua liberdade política no país?

Por último, não tenho grandes dúvidas sobre o impacto positivo que os governos Chávez estão a ter em alguns aspectos sócio-economicos na Venezuela (redistribuição da riqueza, alfabetização, cuidados de saúde), retirando poderes a muitas oligarquias corruptas que por lá andavam há muito em prejuízo da vasta maioria da população venezuelana. Cuba foi também um exemplo disso. Apenas acho/tenho a certeza que as grandes revoluções sociais (necessárias em tantas zonas do mundo, nomeadamente na América Latina) só podem ser feitas com respeito total pela democracia política e suas regras. De outro modo, as consequências serão certamente desastrosas a todos os níveis. Abraço